quarta-feira, junho 13, 2007

A NOSSA FALA - LXXXVII - GENÊTES

Eu não conheço nenhum trabalho científico, com ambição de exaustividade, que trate do processo de surgimento da “fala” popular, seja da “nossa”, seja de outra região qualquer. Teria de ser um autêntico Tratado linguístico, muito mais do que uma espécie de dicionário da fala popular porque não se poderia limitar à semântica dos vocábulos ou das expressões e à suas origens e evolução, muito mais que uma gramática porque não se poderia ficar pela morfologia, pela sintaxe, pela ortografia. Havia de precisar, se almejasse reconhecimento e credibilidade, de ir mais fundo na busca de tudo isso nos contextos em que são utilizados. Haveria até de se socorrer de algumas histórias onde eles ganhassem mais sentido, como se faz aqui no Baságueda. Fica já aqui o manifesto de total liberdade para o plágio de situações, episódios e personagens.

Vem isto a propósito da reflexão (intelectual!) suscitada por uma expressão que ouvi há dias à minha sogra. A cena passa-se lá em casa com a karraiazinha a encenar uma das suas monumentais birras, quando a avó se sai com esta.
- Ai o rai da garota! Tem cá uns genêtes!
Conseguimos apreender pacificamente de onde vem a maior parte das palavras e expressões que já foram tratadas em “a nossa fala”. O Changoto já tem tido a preocupação de se demorar nesse trabalho. Seja do latim ou do grego, a lei do menor esforço parece ser a regra principal, porque o povo é simples e gosta de coisas simples. Nós também.

Mas esta dos “genêtes” soou-me diferente. Porque atira para conceitos que, convenhamos, não estão propriamente na orbita da fala e da cultura popular, como “genes”, “génio”, “genética”. É absolutamente improvável que a autora da expressão alguma vez tenha contactado ou ouvido falar de um tal Darwin e de uma tal sua teoria sobre a origem e evolução das espécies. Mesmo levando em linha de conta o seu vasto e riquíssimo curriculum vitae em matéria de agricultura, designadamente no que concerne a hortículas, tão pouco se pode aceitar, nem como mera hipótese, que tenha visto nas suas ervilhas o mesmo que Mendel. Não merece a pena ir para além da simples referência à impossibilidade de qualquer contacto com algum escrito de Bateson. Adond’rai foi, então, o povo buscar palavra tão cara?

Um estudante tê-la-á utilizado numa reunião familiar alargada, em que toda a gente entendeu o sentido e depois adaptou o som e estendeu ao resto do povo? O Senhor Prior, no sermão eucarístico, ter-se-á perdido em considerações sobre a origem da vida – seguramente para discordar de Darwin – e, o povo católico, naturalmente integrou no seu léxico?

Fosse como fosse, o vocábulo faz parte da “fala” da terra dos xendros e à volta, e, tudo indica, há bastante tempo.

Já lá vão uns anitos, ainda José Socrates não tinha nascido, num domingo à tarde em que teve de separar uma bulha entre o seu Artur e o filho do Zé Púcaro, o Ti Armindo Estanqueiro desabafou com uma ponta de orgulho:
- O mê Artur tem cá uns genêtes… Ah! garoto dum d’rai…

Desde tenrinho que o Artur se revelava mais agitado do que o normal. Ti Armindo ia procurando amansar o cachopo à custa de muitas sovas de cinto e de trabalho no campo, mas ele não dava mostras de abrandar a genica com que nasceu. A avó Ressureição bastas vezes se esforçava para meter o fedelho ao rêgo, mas só conseguia que ele se virasse a ela aos pontapés. Por causa disso, já tinha ganho a alcunha de “batenávó”. Um dia, no tempo da lavra, o garoto foi posto à frente da burranca para a conduzir a direito. Como era de esperar, o Arturinho fazia de propósito para andar aos ziguezagues, na esperança de que o pai se chateasse e o mandasse embora para a brincadeira no povo. A dada altura, ia ele rente ao cômaro com o terreno do Batorelhas, viu o pai concentrado no percurso do arado, atirou com um torrão de terra aos olhos da burranca que se espantou para o chão do vizinho, arrastando arado e Ti Armindo que praguejava furioso:
- Ah! garoto dum filho do diabo quê rebento-te a alma, atão no vês o q’andas a fazer?
E o Arturinho:
- Filho do diabo é vómecei…
- O quêi? O que é q tu dexeste? - E começa a tirar o cinto das calças avançando firme para o petiz, a gritar – Quem é que é filho do diabo? Quem é que é filho do diabo?
À vista da correia o batenávó meteu os genêtes no bolso e respondeu baixinho:
- Sou eu mê pai

3 comentários:

Anónimo disse...

Registo com muita satisfacao, a excelente forma em que o meu amigo karraio se encontra, nao sei se e dos genetes mas calhando, sera tambem dos genetes.

Ja tinha saudades de vomesse e a longura apura os sentidos, neste caso lendo o teu post, consigo-te ouvir, saciando-me com a boa disposicao e o jeito muito especial como botas faladura, seja o assunto materia de doutor ou conversa de sueca. Va tao!

Anónimo disse...

"Cais" trabalho científico, CAIS QUÊ!!! É nos Valores, na Fé, na Tradição, nos Mitos, nas Lendas, na Sabedoria passada de geração em geração. Enfim, no genuíno Conhecimento (mas no nosso, não no que querem importar do Norte da Europa). Não foi assim, que em tempos fomos os MAIORES do Mundo e "órredoes"? Antes da deriva e decadência em que entrámos já há alguns séculos?
Vá! Chega! Já tou a começar a regar... abraço a todos

Anónimo disse...

Ja nao ha pessoas com genetes como antigamente! SO ASSIM SE ENTENDE ESTE POST, AINDA SO COM DOIS COMENTARIOS...

Vindes ler os posts, cheios de galula e odepoi, Mosca! ANDAR DEIXAR-VOS ESTAR... Depoi vinde vender jogo branco, A e tal.. as ferias e coiso, andar que eu logo vos atendo. RAISMAPARTA!