quarta-feira, junho 06, 2007

A NOSSA FALA - LXXXVI - GALULA

Ainda não há muito, os marmeleiros estavam floridos. Às pétalas da flor chama-se GALULA. A Galula é como o tremoço: por muito que se coma não enche barriga. Eu que o diga! Nos tempos em que era um ás do futebol, trinco com funções de médio de distribuição, fui um dia jogar contra o Eléctrico de Ponte de Sôr... Cada um de nós tinha recebido dez escudos para o almoço, que a organização só garantia a bucha depois do jogo. Eu e mais Varito, o pateta do Milhazes e o Força Hercúlea fomos a jogar bilhar e compramos cinco escudos de tremoço: era quase um alqueire. Comemos e jogámos e se não nos vêm chamar não dávamos pelas horas.
Foi chegar e equipar e ala para o campo.
O sal do tremoço e mais os fininhos que tínhamos mamado, juntos, com um sol de esturrar tordos às quatro da tarde, começaram a fazer efeito...
Nós éramos dos que não podíamos falhar: atrás de nós só o Tonho Bisga que era o guarda redes e hoje é médico. O pobre do Henrique Belejo, o velhinho, cansava-se na acarreja de água para nós bebermos.
Ficamos emparrançados, com o bandulho cheinho de água que até se ouvia o balanço quando saltávamos para cabecear o esférico (nome que eruditamente se dava à tchintcha )...
Fica o resultado: empate a 2 golos, sendo que a segunda parte durou 58 minutos até que o Eléctrico empatasse.
Por cortesia deixámos o troféu em disputa para o clube, que o que nós queríamos não era mais prolongamento nem penáltes, mas a bucha prometida. E que boas foram as achigãs grelhadas, fresquinhas da barragem de Montargil e quentinhas a sair do borralho... E o mais que veio a seguir para ensopar os almudes de água que tínhamos emborcado.

Mas... Volvamos ao Baságueda e à nossa querida xendrice.

Havia na Aldeia dois Tonhos Valentes: um morava no oiteiro, tinha um dedo saroto na mão esquerda e era, vá lá, um lavrador razoável, o outro morava no cavacal ali ao pé da cruz, era Guarda Republicano reformado e tinha uma hérnia bem destacada pelo que lhe chamavam o COBRADO. É esta a vedeta que hoje vos trago.

O homem era caçador mas ninguém queria caçar com ele. Tinha uma perdigueira a quem chamava DULCE que era a sua companhia. Amandinho Leitão, às vezes, lá ia com ele e o seu Piloto.(...)

Malinos como eram, Coiote Pete, Abraço de Bazuka, Chibeto e eu, está claro, combinámos um dia pregar uma das valentes ao Tonho Valente: o mais conceituado na opinião do Cobrado era eu. Ficou então decidido que eu me encarregaria de dizer ao Valente que estava uma lebre na cama na vinha do Corlha:"tu viste-a?" Vi, sim senhor, estava deitada ao toro da videira grande na ponta do fio que dá para o poço da figueira maranhoa. Já a lá vi mais do que uma vez!"Entretanto Coiote e companhia tinham ido ao quintal da vítima, roubaram-lhe um coelho e foram a atá-lo na tal videira com um baraço. E eu: " Vomecê bem sabe que ali passa muita gente e se o Ti João Toscano ou o Toco a vêem, são eles que a agarrram",« Bom , vou lá a ver... "Vá aqui pelo caminho do ribeiro cimeiro, entre por trás, por aquilo ali da Bate-orelhas, a passar junto à vinha do Caturra". Ele aí vai.
Eu corri pela estrada a avisar os outros, que se esconderam a ver a marosca. Lá aparece Tonho Valente com a sua espingarda de canos sobrepostos, de três tiros...Olha para a videira e lá estava o coelho. Atira-lhe um foguete, levanta-se pó e o coelho nem buliu. Deita-se a correr confirma que 'a lebre' estava lá caída e, lampeiro, vai a agarrá-la. Na sofreguidão nem reparou que era o coelho e ainda por cima seu! quando o quer puxar fica-lhe preso pelo baraço ao toro da videira:«Querias galula, tonho Valente! querias galula! e riam-se a perder, fora da vista dele...
O General Mola, alcunha por que era conhecido o nosso Tonho Valente, ainda assim, meteu o coelho na bandoleira para não se perder tudo... Arrancou pelo caminho velho do ribeiro cimeiro a praguejar. Ia preado...
Entretanto Chibeto e Coiote já tinham vindo para a frente e espetaram uma pele de lebre na porta da loja do General.
Eu fiz-me de novas quando, com o meu inefável carrinho quadrado ia levar uma bilha de gás à casa de Cum Filha da Puta, que era vizinho: «Anda cá, garoto do catano! Nunca esperei isso de ti!,atão tu fazes-me uma destas?! e eu:"Que mal é que eu fiz? a consciência não me acusa de nada." «Disseste-me que havia uma lebre na vinha do Corlha..." «e havia,vi-a lá mais do que uma vez...» "olha o que lá estava!olha!" «olhe ali a pele da lebre espetada na sua porta!Isto foi malandragem de gente sem vergonha». Aproximou-se e viu a pele da lebre que tinha um papel escrito: a lebre estava ao toro da videira, mas quem a papa sei eu!
Eu queria estoirar a rir mas lá me consegui conter.
É a vida!

5 comentários:

nabisk disse...

Caro amigo, mais um conto espectacular. Para quando a transcrição destes textos para um livro? A câmara se nescessário não daria uma ajuda?

Anónimo disse...

Delicioso, simplesmente delicioso.

Esta aqui uma PNTL da Emigracao, na secretaria ao lado da minha, com um ar muito espantado de me ver a sorrir pro computador, sera que pensa que quero galula! Jeitosa por sinal... ( desculpas pelo teclado... )e bem hajas, por esta boa disposicao que partilhas com a tua mestria.

Anónimo disse...

Eu gosto muito de galula, mas também gosto muito de marmelada.
Eu quero é galula.
Eu quero é marmelada.

Anónimo disse...

desculpa basagueda o uso deste nobre espaço pelo uso que lhe vou fazer , mas serei breve e regresserei logo que possivel para comentar o Post em si.

Estava eu nas minhas lides e afazeres quando o meu télélé toca , antes de atender reparo que era o meu Exmº Director que se encontra de visita oficial no estrangeiro.Imaginei que seria uma urgência e imediatamente atendi, a conversa foi mais ou menos assim
- Então pá ??( risos)
Vi que nao era a voz de quem esperava , ( pensei que lhe tinham furtado o telemóvel)
- è o Mendonça , recebi a visita aqui do teu Director eu perguntei por ti , ele emprestou-me o telemovel.Após ter trocado algumas palavras com o nosso pratitamem,
lá devolveu o aparelho ao proprietario que me pergunta se ta tudo bem se tou bem e diz simplesmente em despedida - Oliveira ....às vezes o mundo é muito pequeno.Desliguei , e fiquei ums minutos a matutar Ó pra esta , o nosso Pratitamem nos morfes com o .....Ele Há coisas ...
Um abraço pro pratitamem canda lá fora alutar pla vida

Anónimo disse...

Sinto, que ás vezes valeu a pena ter comprado este portátil, no entanto, nunca me esqueço da minha gracinha. Um amigo falou uma vez entre diversos, todos de forma tão amiúde! Sobre essa grande proeza Humana, respeitando a coisa a esta capacidade maravilhosa, da nossa suposta capacidade de adaptação. È mais ou menos verdade, sente-se esta Humanidade, tipo um enxame de abelhas com essa vontade de cumprir, O jetleg! faz o resto. Fico verdadeiramente preocupado isso sim, com esta avalange, de comentários, que me leva aquele velho dilema, será este Blog alvo de mirones, ou não. Será este blog uma expecie de magazine, ou não? Tipo as gentes da minha Aldeia, cuja vontade aponta num sentido, mas cujo dedo teima nos Domingos de cruz a desrespeitar a alma. Podia falar de camões, parece-me circunstancial. Pessoa, resolve digo eu, de forma mais eficaz, esta entremeada de palavras quando disse, delicioso querendo resfriar, na verdade era o melhor que leu até hoje, isso lhe suou Dizer, mas parece claro que o facto de ser Zangão, não me dando a imortalidade, tambem não me garante o bom senso de julgar. Fica a estatistica, sempre durA e crua, facil de entender, dificil de julgar. Fica por entender aquilo que a alma tem de melhor, a possibilidade de se materializar ou como dizia um amigo meu, matrializar a lama de forma a que a nunca falte a vianda.

Amigos como tu Lapaxeiro, tem apenas esse condão, o da amizade, coisa facil de guardar quando se partilha aos poucos desta bolsa que nos deram á nascença e que vamos gastando da forma que a vida nos ensina a gastar.