terça-feira, março 27, 2007

A NOSSA FALA - LXXX- MOSTOZINHO OU MOSTEZINHO

Mais uma da lei do menor esforço: vejam só o que derivou de doméstico(zinho). Aplicava-se este termo quando uma besta: vaca, burro, cavalo ou mulo/mula, eram mansinhos. Dizia-se mesmo: é manso como a terra.
Era assim que nos queriam no tempo da outra senhora: mostozinhos. Que ninguém fizesse ondas que a ordem era: pela lei e pela grei. Alinhadinhos, na grande maioria, ali andávamos nós em fila indiana preparando a defesa da Pátria, acima da qual, em termos valorativos, apenas se encontrava Deus. Só por fim vinha a família, expressa no seu mais genuíno termo: Lar. Era esta a hierarquia dos valores: Deus, Pátria, Lar. A pessoa, enquanto indivíduo, era um elemento pertencente à Nação/Estado, una e indivisível, onde até o livro de aprendizagem, era o livro único, independentemente do local geográfico. Os meninos em idade escolar de S. Tomé e Príncipe, para além de terem também sofrido a construção do edifício padronizado que povoa Portugal, também aprendiam -pasme-se - que no próprio Equador onde se situam, os dias crescem ou minguam conforme no seu movimento aparente, o Sol esteja em Câncer ou em Capricórnio, que a sucessão das estações era invariável e que eram os solstícios e os equinócios que as determinavam. E, claro, os que habitavam o hemisfério sul, como Angolanos, Moçambicanos, Timorenses... aprendiam a mesma ordem embora eles constatassem que era ao contrário. O importante é que ficassem calados porque já era um privilégio a poucos concedido esse de aprenderem a ler, escrever e contar... Mostozinhos é como se queriam. Para isso havia os seus eficientes e eficazes encarregados de vigilância, que criaram em nós todos que vivemos tempo bastante nesse período, um estigma de medo, temendo por tudo e por nada que fôssemos chamados à pedra.
Num dia de Verão, dos anos sessenta, julgo que o de 68, cedinho, por essas 6h 30 min, aparece minha mãe alvoroçada no meu quarto que estavam lá em baixo na loja o senhor Domingos Campos, Presidente da Junta e o senhor Chico Manteigas, o Sarapião, Regedor que era ao tempo, que queriam falar comigo. O que é que eu tinha feito e tal e mais isto e mais aquilo e eu Nada, mãe, não fiz nada, então porque é que eles cá estão? e eu : sei lá! Já lá vou.
Acontecia que naquela noite, no muro do Marcelo, que entretanto tinha sido pintado de novo, apareceram, mesmo quando faz a curva a chegar à estrada, bem à vista de todos, portanto, uma foice e um martelo em tamanho razoável, num vermelho vivo e que isso era motivo de comentário logo àquela hora da manhã.
Levantei-me, passei água pelos olhos e aí venho eu: "Dá cá um abraço, rapaz, "disse o sr. Domingos Campos. Eu fiquei taranta, a minha mãe embasbacada e o Chico Sarapião abria o Século, O Diário Popular, o Jornal do Fundão e o Reconquista para mostrar o meu nome constante nas listas dos alunos das diferentes escolas do país que estavam no Quadro de Honra!
Eu nem sabia que isso existia e fiquei também como um basbaque.
Aos poucos acordei e pus-me a ler. Era o primeiro filho daquela terra que tinha o nome nos jornais de maior tiragem nacional e regional; era o orgulho da aldeia; era a honra da família; era o modelo de cachopo, mesmo mostozinho; era uma jóia de pessoa! Sei lá que mais... Deve dizer-se que os jornais naquele tempo só chegavam no dia seguinte ou passados dois: vinham na camioneta enrolados como um canudo e era preciso saber abrir para não serem rasgados. Alguns vinham dentro de uma cinta colados com massa de farinha que inevitavelmente o rasgaria se fosse aberto antes de chegar às mãos do legítimo destinatário. Eu, como era Mostozinho e os correios estavam lá em casa e a camioneta era ali que tinha a paragem tinha ordem para abrir os volumes. Um privilégio. Podia mesmo fazer as palavras cruzadas!
Depois daqueles elogios todos a minha mãe pediu os jornais e ao menos aquela folha e espetou-a na porta do correio. Mãe é mãe, não há nada a fazer, nem a dizer.
Sarapião chama-me então de parte: "olha lá, eu sei que não foste tu, mas diz-me lá quem é que pintou a foice e o martelo além no muro do Marcelo" e eu: "qual foice e qual martelo, onde é que isso está? " Vim à rua e vi. Lá estavam salientes os instrumentos da ceifa e do carpinteiro, esses mesmos, símbolos do Partido Comunista. «Não faço a mais pequena ideia,» disse para o Sarapião. De repente saio-me com esta: " se aquilo o preocupa tanto por que raio não lhe passou já tinta por cima ?" Nem esperou mais, foi-se ao ti Faustino comprou meio litro de tinta e um pincel e queria que eu borrasse as siglas: «Tire o cavalinho da chuva! não tenho nada a ver com isso e não sou seu criado.» Protestou, que me ia acusar ao meu pai quando o visse mas lá passou por cima a tinta branca. Só que o vermelho era muito forte e Chico Sarapião ficou ali a manhã toda a fim de ir dando demão após demão até definitivamente ninguém ficasse a saber que a população da freguesia que tinha sob a sua responsabilidade em termos de segurança era toda concordante com o Estado da Nação e não havia quem destoasse dessa Ordem.
Quando comecei a escrever esta crónica(?!) estava longe de pensar que Salazar iria ganhar o concurso(?!) do melhor português de sempre. Embora não tenha visto, vim a saber que foi por uma percentagem de 41% e com mais 20% que o segundo (outro estranho), Álvaro Cunhal.
Longe de querer fazer uma psicanálise deste fenómeno, sempre penso, todavia, que mais do que grupos organizados que, para além de se mobilizarem, mobilizaram ainda outros, o caso é que, se é verdade que o dito ditador jaz enterrado, ainda não está morto e os seus seguidores ressuscitam-no cada vez com força maior. A vingança serve-se fria e aqui está um bom exemplo... São mecanismos de compensação, assim uma espécie de sublimação não alheada de alguma fantasia, em que o prazer se associa a um certo masoquismo colectivo de gente, preparada e condicionada a uma ordem como que pré estabelecida, numa imitação de teleonomia. Tudo isto encaixado num cérebro de coordenadas cartesianas, habituado a ordem e segurança e a um imobilismo estático assente num conservadorismo atávico, inevitavelmente conduz a regressões em que se invocam algumas preferências e condições como os campos cultivados, a ausência de desemprego, a não proliferação de subornos, compadrios e corrupção, a segurança, enfim...
Sempre vos digo, e por aqui me fico, que é preciso estar alerta e não nos deixarmos embalar nesta modorra da indiferença, do faz de conta, neste país do mais ou menos.
Só vos aconselho: não sejais mostozinhos ou mostezinhos.

3 comentários:

karraio disse...

Perante esta do António ser o melhor Português, temos direito a 4 reações. A primeira é chorar de tristeza pela doença de Alzheimer que tolhe a memória colectiva da nossa sociedade; a segunda é rir do ridículo da situação, pela mesma razão por que rimos a ouvir o Zé Cabra a cantar; a terceira é encolher os ombros e marimbarmo-nos para o assunto, de tão ridículo que ele é.
A quarta é preocuparmo-nos. Tal como nos preocupamos com qualquer coisa séria. E isto é sério, muito sério. Convém que estejamos atentos. Convém que não sejamos mesmo mostozinhos.

Anónimo disse...

Mas estamos a ser mostozinhos! O actual homem não é salazarista, mas o discursozinho é de bota de elástico e salazarento. è sempre a tirar! Há uns anos "inda" davam qualquer coisa em contrapartida. Agora é só a sacar e a baixar o nível. Há 3 serviços que funcionam mal e gastam muito dinheiro? Vamos Reorganizar, Reestruturar, Reduzir, Renovar criando um quarto serviço que gasta mais que os 3 anteriores, funciona pior e os outros 3 acabam por continuar a funcionar e pior, porque depois não se sabe quem faz nem quem manda. Ao menos que dos 3 escolhessem o menos mau. Mas não, nunca se alinha pelo melhor é sempre a nivelar por baixo. A culpa depois é dos Func. Públicos, dos Professores, dos Militares, dos Polícias, dos Médicos, dos Sem Abrigo, dos Indigentes, qualquer dia, dos Mortos e DA PUTA QUE OS PARIU! PORRA! DESABAFEI! MOSTOZINHO NÃO!

Anónimo disse...

É...põe-me os olhos naquele rapaz..filho...uma inteligência...boas notas...nunca chumbou...e quando vem de férias à aldeia?... ajuda sempre os pais...ele agarra-se ao carrinho de mão, ele é vê-lo agarrado à enxada...quase doutor filho...sim senhor...aquilo é que é (pois! e eu pumba! tinha de estudar também, ter boas notas, ser doutor e regar oliveiras com caldeiros d'água...vá lá! nos "intervalos" e se tudo corresse bem,podia emborcar umas bujecas - por isso, tb "bubi" muitas). E houve tempo para tudo. Mái Nada!