sexta-feira, março 09, 2007

A NOSSA FALA - LXXIX - CARRICHO OU CARRITCHO

A lei do menor esforço volta a imperar: vejam só o que o povo aglutinou a partir de pequerrucho. Deve ler-se CARRITCHO. Não sei se alguma vez reparastes que o povo, quando pronuncia com TCH, as palavras se escrevem com CH, mas se pronuncia CH, então a grafia é com X. Sirva de exemplo: BUTCHO (estômago de rês) e BUXO ( planta de sebe), TCHAVE, mas ENXADA, e INTCHADA ou INTCHEDA (tenho a mão intcheda) e por aí fora... ´
É assim o povo e faz muito bem.
Vem isto a propósito de outro lugar comum: "os homens não se medem aos palmos"; (também incluo as mulheres).
Havia na Aldeia um Chquim Carritcho : ainda bebemos alguns copitos juntos e fizemos algumas matanças. Mesmo a mulher não era "mulher a mais" e a filha que geraram também se ficou pelo rés do chão. Nada disto, no entanto, impediu que todos tivessem singrado na vida e hoje se possa dizer que «estão bem». Foi o primeiro organizador de excursões a tudo quanto era sítio de nomeada ao tempo, desde a sra do Almortão e Sra da Póvoa até à Sra de Fátima e santa de Alenquer e outra, ali para os lados de Espinho a quem ainda hoje, diz-se, continuam, a crescer as unhas e o cabelo e a pele ainda lhe une a estrutura óssea. Santos e Santas !!!!!!!! Nem a terra os come: ou são tão bons que ela se recusa a profanar o sagrado ou tão maus que, mesmo que queira, não os consegue roer... As moedas também têm duas faces, digo eu, e portanto há sempre uma leitura diferente da nossa com tanta legitimidade como a que nós fazemos. (...)
"As palavras são como as cerejas" e os pensamentos também, com a agravante de serem mais rápidos e "não haver machado que corte a raíz ao pensamento". Vai daí solta-se-me uma que até o diabo, se andasse por este mundo teria dificuldades em arpoar : O Chquim da Senhora, maioral que pedia meças ao Estronca Brochas e mesmo ao Ti Domingos da Casa Megre, era Carritcho. O tempo já não era bem o da transumância mas ainda se fazia alguma trasfega de gado da Raia para prados mais verdejantes, ali para os lados da Mata da Rainha, Enxames, Aldeia de Sta Margarida, terras mais húmidas, mais férteis e com uma espécie de lameiros à moda da Terra Fria que possibilitavam que as ovelhas mantivessem a quantidade e qualidade do leite, mesmo depois da florescência das ervas quando a margaça, a azeda, o mijacão, a bolsa do pastor e outras primícias já aqui pelas raias botavam semente à terra e por aqueles lados começavam a abrir a pétala. Chquim da Senhora tinha uma cadela carritcha: "isto é má filha da puta para o gado", dizia vaidoso... " Em eu lhe dando uma volta a inchiner os cômaros do pasto, a filha da puta aprende logo e ai da puta da ovelha que passe o limite! Posso mesmo deitar-me a roncar que ela toma conta do gado assim comédado. Quero-lhe apurar a raça- continuava- mas num incontro um cachorro da raça dela que tamém saiba virar o gado ao meu bradar". Tinha receio e com razão - a natureza sempre foi mais forte que o homem - que um qualquer cão vadio, quando ela se saísse , a montasse e em vez de ter cães para o ajudarem tinha para ali uma cãozoada dum corno que só queria era galula e gozmia . NÁ! isso é que ele era bom!
Verdade é que a carritcha cadela acabou por ter sido coberta quando Chquim ressonava ao toro de um sobreiro e ele só se apercebe quando nota a barriga da cadela volumosa, a beber mais água do que era costume, a ser cada vez mais lenta e até a recusar-se ao mando do brado. " Ai a puta! já o mamou! mas num vai crier nenhum; ai num vai não. Alimpo o sarampo a todos...limpinho!" . A carritcha - por isso lhe chamava FELOSA - chegado o tempo - já o Chquim tinha voltado para a Aldeia para os pastos do Prado e do Frade, ali paredes meias com o Batcharel ,nos limiares da fonte de Melão - a carritcha, nómada como o rebanho, arranjou toca no tronco de uma oliveira e ali pariu sete cachorrinhos.... O Chquim bem a chamava... Nada! Andou todo o dia a ver dela e só com arte e manha - a fome obriga - é que descobriu a taloca com os cachorros. Bota comida à cachorra longe e , 'em menos que o diabo esfrega um olho,' aviou todos os cachorros, enquanto praguejava impropérios. A cadela, coitada, bem latia a chamá-los, mas nada. Chquim da Senhora, agarrou-a ao colo e trouxe-a para casa depois de ter feito o rodeio ao gado e o ter encerrado numas cancelas toscas.
Ainda mal tinha posto o pé na soleira da porta já a Nazaré o informava: «Ó Chquim, vai lá a ver a nossa porca pardeira que eu acho que ela está a parir.... Raios afundem o diabo! logo hoje que eu tanto queria dar uma arreboladela contigo é que o raio da porca se lembra de parir. Esta puta tamém pariu hoje mas eu já lhe dei cabo das crias... .Vai-se ao furdão e lá estava a malhada já com os leitões à procura da teta; De repente vem-lhe à ideia: "deito dois à cadela e pode ser que os acadeje. » Viu-se "nas horas del conho" para conseguir sonegar dois recos à malhada. A porca punha-se a cascar e só a poder de um bom par de rasouradas é que ele conseguiu meter os recos numa cesta velha.
Veio para o caldo da ceia e diz : «Ó Nazaréi, segura aí a cachorra um bocado que eu já venho» e desandou. Passou pelo palheiro, untou os bacorinhos com um bocado de soro, embrulhou-os numa saca de papel e ala! foi-se direitinho à toca da oliveira, deitou lá um pouco de panojo e deixou lá os recos. Volta para casa e solta a cadela. As tetas retesadas pelo leite activam o instinto e a Felosa arranca direitinha à BURECA. Cheirou, cheirou , latiu, latiu e só ouviu renhé, renhé, renhé, mas o leite apertava... decidiu-se: entrou e os bácoros agarraram-se às tetas e foi um regalo; batiam com as mãos a fazer inchar o amojo e encheram o papinho assim mesmo comédado!. A cadela ficou. Chquim ardulha o caldo de couves à pressa e vai-se à Nazaréi. Foi um fado, foi o que foi!
Nem queirais vós saber como os recos cresceram. A carritcha Felosa dedicou-se a eles e não é que para onde ela ia , iam eles: encorriam as ovelhas como ela e o Chquim andava maluco com aquilo.
Na Aldeia, alguns gozavam-no. Um Domingo, aparelha a burra, mete os dois bácoros um de cada lado nos cestos das angarelas, a Felosa salta para a testeira da albarda e toca a andar.
Chquim foi ao cavacal a deixar a burra e tira os porcos das angarelas e chama-os coma a cadela e aí vêm. As mulheres que se preparam para a missa e penteavam o cabelo frente a um espelho pregado na parede perto da ferradura de prender os burros enganaram-se a fazer a trança, espantadas como ficaram a ver aquilo. Chegado ao adro, então é que foi o bom e o bonito.
Só para demonstrar aos incrédulos que era verdade o que dizia, Chquim desafia os mais esquisitos a um rodada de tinto dos grandes:"aposto que ponho aqui um baraço à altura de um metro e os bácoros saltam por cima tal qual a mãe."
Ficaram todos a olhar e vou eu:" Ó Tchquim, eu aposto só a um metro e vinte. Fomos ao ti Faustino a pedir a fita métrica marcamos o metro e vinte, pusemos uma porta velha no meio do adro para não poderem passar por baixo e não é que cadela e bácoros saltam ali à frente de todos 1,20metros?

8 comentários:

nabisk disse...

A Nazaréi de vez enquando tem sorte.

Anónimo disse...

Cónho! atão não é que se me pôs a escrever uma cousa destas...RAI'S O PELEM...alma danada...ELE HÁ COISAS DO CA...TORZE (o 27 era o da mota)... eu que só tinha ouvisto falar de bácoros a passear no Rossio, no tempo ainda da "Outra Senhora", vestidos de Almirante Américo Tomás...e não!!!...não andavam de bicicleta. mais um TEXTO ESPECTÁCULO!

Anónimo disse...

Alguém dá novas do Pratitamem? Voou ou não voou? Foi ou ficou?

Anónimo disse...

O pratitamem Voou e chegou bem

Anónimo disse...

Bem hajam, pela alembradura, almas do diabo. E muito bom, ser amigo de bocemeces!

pratitamem disse...

Tantos anos depois., É Brutal ler estes com.
Só consigo chegar a uma conclusão, a mais eficaz e longa parceria, que pode existir na VIDA, é a amizade...

pratitamem disse...

Infelizmente, não existindo outra maneira, o post anterior, assim como este, foi em 26/03/2023

Pratitamem disse...

É fodido! 13/06/2023--