Em todas as sociedades há elementos que gostam que as coisas não mudem e há outros que se esforçam para que a mudança aconteça. Os primeiros aceitam as estruturas tradicionais e tudo fazem para a manutenção da ordem e da disciplina vigentes; defendem a estabilidade e a harmonia do seu mundo sustentadas nas normas tradicionais; recebem com hostilidade as novidades que as podem comprometer; a modernização causa-lhes augústia. Os segundos, pelo contrário, entendem a mudança como necessária e desenvolvem uma forte propensão para contrariarem e subverterem as estruturas e a ordem estabelecidas, por as considerarem factores de estagnação e inibidoras da inevitável modernização.
Digamos, com Khun, que estamos perante dois paradigmas antagónicos, em que o anterior entrou em crise e surge um novo que pressupõe a aniquilição do outro. A transformação do velho para o novo é sentida como uma desorganização social, um caminho para a anomia, como diria Durkheim, pelo menos enquanto o sistema normativo antigo não é substituído pelo novo que emerge. Ainda com Khun, e utilizando o exemplo mais conhecido, pense-se nos efeitos da substituição do paradigma geocêntrico pelo que já apontava, certeiramente - eppur si muove -, para a nossa mesquinhez no contexto do universo, e os efeitos que tal provocou na visão do homem, do mundo, e… de Deus. Neste sentido, a modernização constitui um processo criativo e destrutivo da ordem anterior. Será? Ou será que a mudança é um processo primário, inexorável, e a estabilidade é apenas um afrouxamento da mudança?
Noutro quadro, recorramos a Bourdieu para pedir emprestado, o conceito de “campo”, aqui tomado, abusivamente, generalizado à escala societal. As posições relativas dos que são pró e contra a mudança leva-os a lutarem pela subversão ou pela conservação das estruturas, entendidas sobretudo no sentido da doxa, ou seja do senso comum, das “certezas” do velho paradigma, e do nomos, isto é das leis gerais, tendencialmente invariantes, que regem o seu funcionamento.
Esta conversa densa só para dizer que Ti Julho Ramelica era um fundamentalista do velho paradigma, um lutador tenaz do campo conservador.
O que se passava, em termos simples é que Ti Julho Ramelica não gostava da modernidade. Ele era um apreciador da ordem e do costume, avesso ao novo, hostilizava o desvio. Tirando a enfardadeira, que lhe dava jeito, por via da artrose, desconfiava de tudo o que era tecnologia. Entrava o velho sec XX na última década quando, a muito custo, lá concordou finalmente com a mulher em comprar o frigorífico, e em aceitar a televisão que a filha, emigrante na capital da Nação, lhe ofereceu, mas ninguém teve manhas para o convencer das virtualidades do micro-ondas. Mesmo no Verão, a mulher tinha de fazer o caldo na panela de ferro, ao lume. Doutra maneira, dizia, não lhe sabia bem. Incomodavam-no outras modernices como o telemóvel - proibiu a filha de oferecer um à patroa -, as saias curtas - umas desavergonhadas, é o que elas são -, as barulhentas motas de 4 rodas - espantam-me as pitas, haviam de marrar c'os cornos numa sobreira-, a música rock - eu sou capaz de bater os testos melhor do que eles - e, claro os piercings - atão mas qu'arraio de coisa é aquela?. Não seria admiração nenhuma que, se para tal tivesse preparação, discordasse em absoluto com o Vaticano II e com a missa noutra língua que não o latim.
Naturalmente, não apreciava futebol. A bem dizer, não achava qualquer utilidade a nenhum desporto, porque, no seu paradigma, o esforço tinha de ser produtivo. Daí que, não se inibia de, alto e bom som, invectivar aqueles “parvos que andam todos a correr atrás de uma bola, a cansarem-se que nem malucos, se querem suar, que me vão lá a arrancar as batatas”. Cada vez que passava junto ao polidesportivo a caminho da horta no serralheiro, arranjava sempre maneira de comentar com alguém “rais os palirem, andam eles ali a cansarem-se atrás do rai da bola, p’ra quêi? Se querem suar, ê tenho lá muntas inchadas e uma vinha para escavachar…”. O Mundial fora uma ralação para ele: “ na tilvisão é todo o santo dia naquilo, arre porra!”
A sua aversão ao futebol aumentou naquele dia em que regressava da horta com um caldeiro de lata de cogulo com figos maranhões, pendurado no cabo do sacho que equilibrava no ombro direito. Tinha acabado de repetir à Ti Ressureição Bandolas a sua teoria da improdutividade da actividade futebolística, quando uma bola chutada com força a mais galgou a rede do polidesportivo e veio embater em cheio no caldeiro dos figos.
Conjugada a raiva da situação com a maldade própria que lhe era (re)conhecida, Ti Julho atirou com o sacho para o lado, agarrou na bola e sacou do bolso a sua inseparável navalha de tachas pretas e folha já gasta de mais de 20 anos de uso, e põs-se a tentar espetá-la no esférico. Ou porque a raiva lhe reduziu o discernimento e a habilidade no manuseamento da navalha, ou porque o “cautchu” era duro, o certo é que a arma se lhe fechou apanhando-lhe o indicador, provocando-lhe um talho dos grandes e abundante soltura de sangue. A situação fê-lo atingir as raias da exasperação absoluta. Cego de dor e de humilhação, agarrou no sacho e começou a bater na bola que saltitava caprichosa como que a fugir das investidas do Ti Julho. Os jovens futebolistas assistiam agarrados à rede, comungando da opinião: “o velho passou-se…” O espectáculo só terminou quando o Ti Julho Ramelica desnocou o cabo do sacho numa pedra, quando falhou a fugidia bola redonda, e ele abalou com passo apressado berrando as mais ordinárias imprecações e os mais inconvenientes impropérios.
Juro que ele ia visivelmente consternado quando passou por mim. Quinze dias passados fui levar-lhe o caldeiro a casa e consolei-o, informando-o que, ao menos, os figos maranhões não se estragaram: papei-os eu.
15 comentários:
Vai, lá vai, o amigo Khun é tudo é tudo, ainda com ajuda do Durkheim, o coitado do bourdiev, pedes emprestado de forma abusiva. "Generalisas", coitado do bacano. "relativa", "tendencialmente" "paradigma", "invariantes"? ETC. Assim gosto...
Está muito proximo ´? o momento de ter que contar contigo amigo Changoto. Depois falamos. Claro tenho que contar, com aqueles de quem gosto, certo. Depois da familia, que são a nossa vida, sobra sempre esse suplemento, legal e tudo que são os amigos. Qualquer dia vou te pedir a mezinha!
Pois é consta, que conhecer ajuda. A amizade, pode dar um jeitinho. Mas o Karraio, tem a mão que comanda a pena. Os anos por via da atitude tambem só lhe pesam o necessario o indispensável. Assim é sempre saudavel ler. Quando se está demasiado "tempo" sem respirar espiritos assim, os cabelinhos brancos parecem tratulhos. Quem fica a ganhar é o melhano. Mas já não mos disfarça todos. E tu sempre sais mai em conta.
Tá bem és amigo do bacano e meu, eu perdouuu. Isso ficava giro com o som da viola, que eu sei que sabes e bem, assim, nem por isso. Mas pronto. Nem todos somos livres á nossa medida. Nem á h nossa vontade. Já vi mexilhão que foge das rochas maiores, por via das Ondas.
Acho piada, saber outro dia que o Conselho de Segurança das NU, teve antes de ontem acento, pra analisar o caso, com votação só prá semana que vem, no entanto tanto se sabe, acho piada. Nem a forma, nem os principios ´estão ainda defenidos. Acho piada. Na verdade juro que gosto de ver a liberdade condicionada a sortir efeito, ainda que não da melhor forma. Um ok pra todos os Oprimidos, de alguma forma ou maneira.
Nós seres humanos, somos realmente únivos. Ao menor sinal de presa ou na contigencia, de, usurpação espaço territorial, mesmo que sentida de forma absurda, ao menor sinal de alerta, sobre as nossas defesas, que colocamos sempre altas e sempre de forma aliatória. Reagimos sempre como os nossos gatos. Somos gajos, pessoas, seres superiores ainda por cima. A êssencia dos outros está na nossa capacidade de tirar o chapeu. Mas sempre com cerimónia visual, kassenão o ritual, perde um feiticeiro pra ganhar ás tantas um jogador de TOTOLOTO.
Acho piada, mais uma vez, a determinados arranjos. Gostaria de saber sobretudo de que forma, os mesmos, conseguem viver com a palavra elogio. Uma vez que o elogio, serve sobretudo como reconhecimento, devendo ser feito com honestidade, por pessoas com caracter, para defenir o caracter escepcional de outrem, tentando desta forma evitar, quaze sempre em vão, o habitual. Ou seja os arranjos.
Uma no cravo outra na ferradura. Não sei, talvez, na verdade é possivel. Os Monstros que me fazem escrever, são criados e destruidos, por mim a meu belo prazer. Eu sei que a liberdade total, é aptecivel, tambem sei que a forma como controlo os meus limites irrita por vezes. Tenho consciência de que uso o chapeu errado, certo mesmo é este gozo que tenho na forma tentada, como me sinto gozado. E isso é a minha forma de ser e isso só muda quando for transformado em pó. Epá.
Não é bem assim. Tenho cá pra mim, que ´s vezes, pode bater cá na maquina. Tipo, transmissão. Tipo, iii. Doi como ó raio. Azar, Aguente-se. Azar, Só pra que se registe, doi bué.
Tudo aquilo que é puro, morre, este blog, por exemplo, já muitos faleceram irritados com a puresa deste blog, espero que chegem ao ceu.
Este blog, daqui a muitos anos, vai morrer, depois anos mais tarde, alguns septicos vão perguntar ao karraio e ao changoto, quando, em que data é que este blog, faleceu. E eu tambem ouvi a resposta. Tipo, tu é um dia daqui a muitos anos espero, vais falecer, pois o blog um dia vai mas é morrer, mas isso...
Mas que raio de conversa é esta. Será que a Basagueda é uma enciclopédia?!?!?!!? Quem serão os basaguadeiros ou basaguados?!?!?!
E que tal se falássemos de cidadania e de artistas elitistas que abusam das cadeiras do poder?!?!? O moscardo.
foi isso que te picou?
O que é que cidadania tem que ver com artistas elitista.S, O que é que abusar do poder tem a ver com cadeiras. O que é que O moscardo tem a ver com isso tudo?! O teu problema deve, digo eu, ter mais a ver com DEET, dietiltolnamida ou por ventura, eu ia dizer, permetrina, mas ai, vai lá vai, podias, ficar vivo e com abituação e não sei mas ouvi dizer que o metodo, tradicional, ou seja o mata moscas é um kadinho doloroso, ouvi dizer!
Na verdade esta é uma hora, muito dura, pois parece, ( vê lá a hora ) que eu sou igual, ao resto dessa treta de gente e sou, a esta hora, tenho aqui um MP3, vou sou escolher uma musica, pra te dizer, que sou o partitamem, A Pedra Filosofal, cantada pelo CARLOS do CARMO.
Eu sabia que a lara li, tinha coisas boas. Sempre teve, tipo sempre foi mulher, tipo, nunca me irritou, verdade, sempre tipo, podes ser fufa, mas és sensual, tens uma irmã? Bem, na conversa, recomenda-"sse", telepatia. È só procurar a a musica.
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