A terra xêndrica está, por esta altura, em festa. Celebra-se o sr. S. Bartlameu, em tempos idos, também chamada Festas da Desfolhada, mais por causa dos atritos profano / sagrado do que por outra razão. Na verdade, foi o professor Leitão que criou esta denominação, porque a mordomia do santo, liderada pelo pároco de então, exigia que se o nome das festividades fosse associado ao santo patrono, os lucros da festa reverteriam para a fábrica da igreja. Aí é que batia a questão e, por mor disso, o professor Leitão festejava as festas populares antes da data de 24 de agosto e chamou-lhe de Festas da Desfolhada. A festa religiosa, propriamente dita, sempre se celebrou a 24, raramente passava de uma jornada e reduzia-se às iniciativas religiosas: alvorada curta, missa e procissão, quermesse, ramo de oferendas - afinal era a festa dos galos- e, à noite uma musiquinha de trazer por casa com um balcão de taberna sem grandes comezainas.
Com o tempo as quezílias foram-se esbatendo e as contas acertadas, voltando as festas à data da comemoração do dia do patrono, o sr. São Bartlameu. Mainada.
O nome de Desfolhada derivou de, por esta altura, no lajedo de alguns balcões de pedra, ao cimo das escadas que davam acesso ao primeiro andar das casas, se procedia à descamisa do milho, à noite, após a ceia. Reunia-se a vizinhança e procedia-se à separação da maçaroca da cana do milho, a que se chamava descamisa, entretanto já desbandeirado. Depois, a maçaroca ficava a secar e era malhada com uma rasoira em pequena eira ou até mesmo esfregando umas contra as outras. Os cascabulhos guardavam-se e serviam para cama de gado ou até para mecha de acender o lume no inverno. As barbas das maçarocas eram também secas e havia até quem depois as moesse e amortalhasse em papel de cigarro e as fumasse. Serviam também para chá. As camisas e as canas serviam para forragem durante a invernia. Nada se desperdiçava e tudo era aproveitado ao limite. A descamisa era feita com uma pequena navalha ou, a maior parte das vezes, com um pau aguçado que afastava as folha e depois permitia que a maçaroca se esnocasse do pé e se deitasse para o cesto que as levaria até uma melhor secagem em eira ou lage.
Volvamos, então, de novo, ao sr. São Bartlameu.
Já muito sabeis acerca deste Natanael , mas talvez não seja do vosso conhecimento que Miguel Ângelo o escolheu para gravar a sua própria imagem na capela Sistina, quando Bartolomeu"cuja arrepiante tradição o distingue como o mais hediondamente atormentado de todos os apóstolos", e que aparece retratado como "um Bartolomeu calvo, musculoso e quase nu que...fita um Jesus imberbe". (Sirvo-me nas citações que aqui apresento dum livro excelente para quem queira saber algo de fundamentado sobre a expansão da religião cristã: APÓSTOLOS de Tom Bissell, Clube do Autor Editora, Novembro,2017, Lisboa).
Mas não penseis que é este o único retrato do nosso patrono. Aqui tendes outro (Obra citada pág.87): "possui cabelo preto e encaracolado, pele clara, olhos grandes, nariz direito, as orelhas cobertas pelo cabelo, barba comprida e grisalha, altura mediana. Enverga uma túnica branca com uma faixa púrpura e uma capa branca com quatro pedras preciosas nos cantos. Usou essas roupas ao longo de vinte e seis anos, mas elas nunca se gastam. Os sapatos duraram-lhe vinte e seis anos. Faz as suas orações cem vezes por dia e cem vezes por noite. A sua voz soa como uma trombeta; os anjos estão às suas ordens; está sempre bem disposto e conhece todas as línguas."
Muitas outras novidades aqui vos poderia aportar, mas deixo-vos apenas mais duas ou três: os seus restos mortais, crê-se que recolhidos por um monge numa noite em que os ossos espalhados se distinguiriam por surgirem fosforescentes, colocados numa bacia e depois levados para a capela, que ainda hoje tem o seu nome, numa ilha no meio do Tibre, mesmo às vistas de Roma, chamada ilha Tiberina, que são quatro as vezes que aparece citado no Novo Testamento, que o seu nome «bar Talmai» significa «filho de Talmai», que por sua vez significa em hebraico «rico em sulcos», que indicaria a sua humilde origem de filho de um pobre lavrador que sulcava a terra e não, como queria São Jerónimo, que seria oriundo de família nobre, como vem referido no segundo livro de Samuel (2 Samuel 3:3); finalmente que andou pelas índias, onde teria sido esfolado vivo por pagãos Arménios.
Fiquemo-nos por aqui. Se quiserdes saber mais é ler o livro supra citado. Mainada.
Nos meus tempos de cachopo, raras foram as festas do santo patrono em que não ajudei a papar uma galinha ou galo, gamados na noite anterior de uma capoeira mais a jeito. O local da rambóia era invariavelmente o mesmo: o chão do ti João Toscano onde havia uma mina, com uma nascente de água sempre fresquinha, ali a descer da aldeia dos cucos pertinho do depósito da água. A trupe também variava pouco e se algum entrasse de novo, obrigava-se ao dever de sigilo mais que confessionário e a contribuir com algum produto que fizesse falta. Em regra consistia em oferecer 5 litros para a dita rambóia. A galinha(galo) não era depenada. Esfolava-se. Assim cozia mais depressa e tinha menos nata de gordura. Depois da procissão a rapaziada ia almoçar com a família, mas pelas 5 da tarde, hora morta da festa, cada um na sua bicicleta lá ia ter com os ingredientes previamente acertados na véspera. Claro que raramente comparecíamos ao jantar em casa. A desculpa era que o almoço tinha sido farto e os festeiros também tinham que fazer algum dinheiro e por lá comeríamos uma febra ou uma salsicha dentro do paposseco...tretas. Algumas vezes toco Jabão e Coiote Pete arranjavam umas rolas e aí a rambóia tinha outras exigências em termos de acompanhamentos, chegando a meter champanhe francês, refrescado na mina. Qualidade de vida, era o que era. A mim calhava-me sempre a confecção e só vos digo que nunca ouvi protestos. Outros tempos, outras vidas .
Ora atão que viva o sr S.Bartlameu, que ele vos proteja e vos livre das tentações do mafarrico que traz sempre preso e só solta no dia da sua festa...
XXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGRRRRRRRAAAAAAAANNNNNNNDDDDDDDDEEEEEEEEE.
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