segunda-feira, abril 06, 2015

A NOSSA FALADURA - CCXXXIV - SARAPOTO

Muito se tem discutido sobre o que seja e o qual o valor do que vulgarmente chamamos de opinião. Creio, no entanto, que talvez tenha sido Platão que a colocou no seu verdadeiro lugar. Ela está muito perto da ilusão, ou seja, da confusão entre sombra e realidade. De facto, não é difícil tomarmos por real aquilo que apenas nos parece ou que apenas se parece. Muitas vezes somos mesmo teimosos persistindo em asseverar o que afirmamos, não ouvindo quem connosco entabela conversa. Confundimos amiúde opinião com comentário, bitaite, ..., e, iludidos nessa pseudo-opinião, agimos em conformidade com ela, sem procurarmos fundamento seguro. Platão vai mais longe e junta ilusão à crença. Considera mesmo que uma crença verdadeira justificada origina conhecimento seguro. Ora, isto nem sempre é verdade, porque podemos partir de pressupostos que julgamos indubitáveis e garantimos, iludidos pela crença, que o que dizemos é verdade e não pode ser de outra maneira. Se alguém nos contradiz chegamos ao cúmulo de acabar com a dialéctica com o famoso aforismo: fica com a tua que eu fico com a minha.
Ora a opinião, enquanto vista como uma ascese para o conhecimento verdadeiro admite em si mesma o erro. Por exemplo, e sirvo-me de Gardner, se me habituei a olhar para um relógio e ele sempre me deu horas certas, penso que agora que olho para ele, também me está a dar a hora correcta. Não me passa pela cabeça que desta vez o relógio se tenha avariado ou simplesmente atrasado por velhice da pilha e, em consequência, pauto a sucessão da minha vida normal, em função da informação horária fornecida pelo 'infalível 'relógio. Só tarde e às más horas é que me dou conta de que, afinal, o relógio me enganara. Dito de outro modo: nem mesmo as crenças devidamente fundamentadas, justificadas por vezes sem conta e tidas como verdadeiras são insuficientes para nos garantir um conhecimento verdadeiro.
Para além disso há a natural tendência  para alijarmos a culpa para o outro. O outro, o grande outro como gosto de lhe chamar, só nos faz falta para pormos nele a culpa do que não nos acontece como gostaríamos que nos tivesse acontecido.
Desde logo, na Bíblia ficou escrito que Deus nos criou à sua imagem e semelhança. Ora, se lermos bem, entramos numa contradição original: se Deus nos fez à sua imagem e, sendo ele, por natureza, o Bem, então a sua obra devia agir como Ele: apenas praticando o bem, já que no efeito não pode haver mais que na sua causa, ou Lavoisier é uma balela. Volvamos à Bíblia: Deus olhou para o que tinha ordenado que se fizesse e viu que tudo estava bem feito (seria, de facto, um contra senso que  Deus omnipotente  tivesse que se esforçar para fazer o que quer que fosse, ou ainda que tivesse que emendar a mão para corrigir o mínimo erro que fosse) . Entendamo-nos: está escrito que no princípio era o Verbo, isto é, a palavra. E a palavra chave do Génesis é FIAT, isto é, faça-se ou seja feito, como se queira. É também assim no Pai Nosso onde se diz: FIAT voluntas tua= seja feita a vossa vontade).
Reparemos, todavia que Deus só ocupa seis dos sete dias da semana. Pois é, o sétimo ficou para o homem. Cabe perguntar: porquê e para quê. Ora, está bem de ver: para o homem fazer asneiras. Para fazer o Mal. Só que, e dando razão ao atrás dito, o homem não podia ficar com a culpa e vai daí culpa a mulher que ele próprio tinha requisitado a Deus para não se sentir sempre só, mas esta como era derivada do Adão originário, também não queria a culpa e, vai daí, transpõe-na para a sedução da serpente... Ou terá sido tudo também resultado de um planeamento divino, para que, efectivamnete, o homem nunca pudesse ter os poderes que ele tinha. Deus não poderia expulsar Adão do Paraíso de motu proprio. A responsabilidade, ou se preferirmos na linguagem bíblica - a culpa - nunca poderia recair sobre o próprio Deus. Assim, Ele também alija a culpa para o outro - para o homem -. Ele é que desobedeceu às ordens e portanto auto expulsou-se do Paraíso. Ou será que Deus tinha planeado isto tudo e assim, ao fim, seria ele o culpado? Aconselho-vos a ler um filósofo irlandês contemporâneo: Richard Kearney.
É um facto que nunca vemos o outro como o Bem. Há-de ter sempre defeitos. Perfeitos, só nós e as nossas opiniões. Mainada. Somos mesmo sarapotos.
Alma de Sino tinha um Ford Cortina de cor esquisita que custava a definir entre o anil e o turquesa. Aquilo não era um carro era um todo o terreno. Quantas lebres morreram debaixo daquela viatura que entrava pelas aradas com a mesma velocidade que andava em estrada!... Alma de Sino era um técnico de electrónica muito avançado para o tempo. Tinha freguesia de todo o lado para lhe arranjar os rádios avariados que nenhum outro técnico era capaz de compor. Vi-lhe mesmo fazer uma televisão a preto e branco, de origem: desde a armadura em madeira até toda a encruzilhada de fios de diferentes cores, soldadura de cada uma das peças, até ao fechamento. Trabalhava como um lírio. Ainda lá vi muitos jogos de bola. Um dia à noite estava combinado um petisco de lebre na Rosa. Só que ainda não havia lebre... Por tal azar o Ultra Cortina resolveu fazer gazeta e não pegou. Alma de Sino ainda fez uma série de matrafuscas, mas nada. Mas o petisco tinha que se fazer... Foram ter com Tchinchas e lá o convenceram a ir ao caminho da Ribeira da Ceife, até perto da charca do Figueira, do Pedrógão, "para limparem o sarampo" a uma. Foi rápido até que viram uma, mas Tchinchas que não estava treinado a atirar em movimento errou os dois tiros. Levou rodas de sarapoto, azelha, ceguinho e afins e Nosso Cabo Chico, salta para cima da carrinha e passado pouco tempo com um trabuco que ele próprio construíra virou uma lebracha de pantanas. Só que era pequena para os convidados...Alma de Sino diz para Coiote Pete que na altura conduzia: «Bota cá o volante que eu já resolvo isto num foguete». Virou a carrinha de caixa aberta em sentido contrário atou uma tábua presa por arames às laterais dos taipais, arranca com calma e vê uns olhos a brilhar. Confere que se tratava de uma lebre, mete pela arada e não tardou o animal tinha levado com uma traulitada com a tábua e ainda estrebuchava quando a fui apanhar.Alma de Sino auto vangloriava-se: «sois todos uns sarapotos; se num fosse cá o Mnel comíeis mas era pão com molho».
XXIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGRRAAAAAAAAAAAAAAANNNNNNNNNNNNNDDDDEEEEEE


1 comentário:

pratitamem disse...

Muito bom Vitor! Mas pegando em Gardner e sendo pra mim esta hora, não aquela que parece! Uma opinião se for uma crença, não carece assim tanto de fundamentação, se tiver a fé como base fundamental. As mulheres e os homens, são apenas cordeiros de Deus! O Domingo era o 7 dia, todo por nossa conta (e foi só um dia... faria se fossem mais) e o prado estava verde, assim ficamos, por auto expulsão, fora do paraíso, sitio imortal, vivendo então como mortais, nesse prado cada vez menos verde, ao mesmo tempo que nos vamos afastando incansavelmente, dia após dia e cada vez mais, desse momento, de regressar ao paraíso! O mundo está perdido pra ti e pra mim, receio, que também para os nossos filhos! Mas tenho fé, não em nós mas no futuro dos homens! Que seria de nós sem fé e sem pessoas como tu, que nos fazem parar pra pensar, que raio viemos aqui fazer, os outros animais não chegavam para a terra ter vida? Chegavam...
Um grande abraço e bem ajas por seres esse grande pensador que ÈS!