quarta-feira, agosto 07, 2013

A NOSSA FALADURA - CXCIX- BO(U)NICRA ou BENICRA

Assunto que nunca foi muito do meu agrado, em matéria de língua portuguesa foi o da classificação das palavras em homónimas, homógrafas e homófonas. A razão é que todas as homónimas são homógrafas e homófonas e todas as homógrafas são homónimas e homófonas mas já não é verdade que todas as homófonas sejam homógrafas. Só por aqui já se vê que não é à primeira que se pode classificar a palavra da faladura de hoje. Deixo, pois, ao vosso critério.
Já lá vão uns anos valentes... começava a debater-se o acordo ortográfico que acabou (vergonhosamente) por entrar em vigor quando e, numa reunião ocorrida numa Instituição de Ensino Superior, propus a um dos elementos da equipa que discutia o tal acordo numa intervenção que era mais ou menos assim:« Se vão mexer na língua, mexam de uma vez ou não lhe toquem... mas se mexerem então crie-se um grafema para cada fonema, ou seja, que cada letra tenha sempre o mesmo som e não haja nem dois ss ou cedilha, que o x tenha um único valor fonético e não como agora que se lê como x(xisto), z (exame) cs (sexo) s (expulsar)..., acabem-se os diacríticos como o til e a nasalação seja sempre biliteral,... Enfim, dei uma série de sugestões, não sem alguma ironia que fez sorrir muitos dos circunstantes...Talvez assim se evitasse a minha dificuldade...
Hoje estou com vontade de escrever...  Algumas das palavras que vos vou deixar não fui eu quem primeiro as escreveu, mas não me importava de ter sido. Vou, portanto fazer citações. A primeira é retirada  do Diáro de notícias  de Quinta -Feira, dia  25 de Julho, nº 52698, pp 55 e pertence a Manuel Maria Carrilho, sob o título "ESQUEÇA AS PALAVRAS - E APROVEITE PARA CONVERSAR. " As notícias tornaram-se tão tóxicas para a mente como o açúcar se revelou para o corpo... As notícias não explicam nada, elas são como a espuma à superfície das águas...Se calhar o melhor remédio é seguir o conselho de Rolf Dobelli que propõe dez pontos em que vale a pena reflectir... Esses dez pontos são: 1- as notícias enganam, 2- são irrelevantes, 3- não explicam, 4- são tóxicas para o organismo, 5- aumentam os erros cognitivos, 6- impedem de pensar, 7- funcionam como uma droga, 8- fazem perder tempo, 9- tornam-nos passivos, 10- matam a criatividade ... Um bom desafio para o mês de Agosto é seguir o conselho de Theodore Zeldin que escreveu um fantástico Elogio da Conversa. A conversa pode ser o antídoto das notícias: ela pode aproximar da verdade, pode ser explicativa e relevante, estimular o pensamento e a criatividade, desintoxicar a mente e explicar as ressonâncias com o mundo". Conclui-se que mais vale conversarmos e sermos activos num diálogo do que ficarmos de olho escancarado nas notícias que nos entram porta adentro. Que saudades dos belos serões de antanho! Aí sim, debatiam-se os verdadeiros problemas da casa e passava-se alta cultura de geração para geração. Nada disso, agora. Vamos então conversar neste verão em vez de nos determos perante ecrãs, sejam eles quais forem.
 A outra citação vem num livro de Afonso Cruz (que aconselho vivamente), sob o título JESUS CRISTO BEBIA CERVEJA  (Alfaguara), pp.223 :- " Eu por vezes sinto-me vazio, a minha ciência é desprezada. O conhecimento não interessa para nada. Os conhecimentos é que são importantes. Isto é um país de amigos onde, curiosamente, todos são meus inimigos. Ninguém se digna a perder tempo a ler o que ponho no mundo, com toda esta sabedoria que me caracteriza. A sociedade é feita de dinheiro. A carne dela são cotações, cheques, cartões de crédito. Vende-se o que dá dinheiro. O que importa não importa. É o fim dos tempos, o homem volta a ser um macaco. Volta a olhar o porco, cara a cara, e a sentir que se olha ao espelho. É isso o homem. Uma espécie de suíno que, momentaneamente, esqueceu a sua condição orwelliana. Somos todos uns porcos que chafurdam na banca e na economia. A vida não passa de um gráfico de barras, umas estatísticas, probabilidades, projecções. E neste mundo somos todos escravos de notas de todas as línguas.
- Deus deveria dar-lhe fama.
- Não me fales em Deus, Rosa. Deus tem um jardim, que é onde vive. Nós temos um inferno. Foi o que Ele nos deu. Ele é um dos patrões que mais andam por aí. Um pai, se o filho passa fome, é o primeiro a privar-se de comida, para que os seus filhos possam comer. Deus devia andar a passar fome e a sofrer todas as dores. Aquela cruz não dá para nada. Olha à tua volta: um dirigente quando quer sacrificar, fá-lo sacrificando o povo, mas que pai faria isso aos seus filhos? Qualquer pai estaria disposto a sacrificar-se a si antes de sacrificar os filhos e é isso que faz um líder e é isso que faria o verdadeiro Deus, se existisse. Se queres encontrá-Lo, procura-O no maior indigente, no maior sofrimento. Essa é a sua única hipótese de existência. Os líderes que vemos a governar os nossos países, são apenas criminosos iguais ao Deus católico. Quando se portarem como um pai a tomar conta dos seus filhos, serão verdadeiros estadistas. Deus não está no céu, está na barriga dos esfomeados. É um punho fechado, peludo, a gritar de agonia, dentro do estômago.
- Mesmo assim o professor devia ser famoso.
- A fama é o modo como as pessoas célebres se dão a conhecer. Já dei à fama um protagonismo maior. Para os Romanos, era um monstro cheio de olhos e bocas, com asas. Andava sempre acompanhada pelo Boato e pela Crudelidade. Diz a verdade com umas bocas, enquanto com outras mente. Um monstro."
Não tínheis em que pensar e motivo de conversa? Ora aqui tendes um bom.
Rosa Rei e Albertina Milhana eram o oposto uma da outra: se fossem palavras eram antónimas. Rosa morava no beco da ribeira e Milhana no arrabalde da Lagariça. Rosa tinha voz de homem, Albertina se puxasse pela voz escavacava vidros, tal a estridência, Rei andava sempre na onda da frente, começa quando os outros só estavam a acabar a ladainha anterior, Albertina acabava quando já toda a gente ia na oração seguinte, Rosa estava completamente desdentada, Albertina cortava um travisco à dentada, Rosa teve um filho, Albertina uma filha, Rosa tinha um burro, Albertina uma burra, Rosa Rei puxava-o sempre pela rédea, Milhana ia sempre atrás, às vezes com um baraço preso à rabiça da albarda para acompanhar a besta.
Como se vê eram mesmo paralelas: nunca se encontrariam por muito que as prolongássemos.
Em comum, pois tudo tem uma excepção, era a sua presença continuada em todos os actos eclesiais, mas enquanto Rosa ficava logo no banco colado à coxia e chegava com meia hora de antecedência, Milhana ficava quase sempre no último banco, próximo do espaço já reservado aos homens, já que vinha sempre esbaforida em cima da hora, ainda a ajeitar o lenço. Rosa morava perto da Igreja, Albertina num extremo longínquo.
Não se falavam e Rosa dizia que Albertina ia atrás da burra que "era por mor de apanhar com as bunicras nas ventas", enquanto Albertina se defendia a dizer que ela puxava o burro pela rédea" Para ver o seu próprio retrato, quando olhava para trás".
Facto era que a burra de Albertina já era entradota na idade e quando ia carregada com as angarelas cheias de esterco para a sorte da Ribeira, a subir o cabeço do Feijão tinha tendência para se abrir de forma altamente sonora, mandando fedorentas bonicras que cheiravam a 50 metros. Se calhar queimava misto e a subir ligava também o gás para ajudar à palha... Já o burro de Rei, inteiro como era, de vez em quando à passagem por uma burra excitava-se, arreganhava o beiço, mostrava os dentes e por isso Rosa ia sempre à frente com a rédea curta, para evitar que ele se pusesse atrás das burras e aventasse com os aparelhos ao ar.
Pronto. Já sei que vai longo... Se não quiserdes conversar, olhai que rir também é saudável.
XXXXXXXXIII  GGGRRRRAAAAAAAAAAAANNDDDDDDDDDDDDDDEEEEEEEEEEEEEEE

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