quarta-feira, abril 03, 2013

A NOSSA FALADURA - CXCV - PLAGATO/FLAGATO

Já por mais de uma vez aqui falamos da proximidade fonética de algumas consoantes. É o caso do F e do P, sendo difícil, sem dúvida saber ao certo qual a dominante. Tanto se ouve uma como a outra.
Chquim Ventaneira, Domingos Poças e Tonho Bondito eram um trio de peso.Ventaneira e Poças já entradotes e Bondito, muito mais novo, associava-se para dar o compasso com a sua tarola, ao pífaro de Chquim e ao harmónio (armonho) de Domingos.
Poças era sapateiro, Ventaneira vivia da jorna e tratava de uma pequena horta onde criava umas ovelhas e uma cabras que permitiam à mulher fazer os queijos para consumo doméstico. Bondito sofreu um acidente que lhe cegou uma vista e vive da pensão paga pelo seguro.
Nunca ensaiavam e as saídas eram, a bem dizer, espontâneas: um deles pegava no instrumento, ia rua acima ou abaixo, os outros ouviam e pronto: estava o fado armado.
Os pífaros de Ventaneira era ele próprio quem os fazia e trocava-os conforme as músicas. Para mim, leigo em matéria de instrumentos musicais e com ouvido rombo quanto baste pouco se me dava qual fosse o pífaro que ele tocava, mas se atentasse em lá reparava que havia sonoridades diferentes; o armonho de Domingos tinha sempre o mesmo som e os acordes eram sempre os mesmos variando de acordo com o ritmo que Bondito imprimia à baguete. Nenhum cantava, mas quando desciam ao povo logo aparecia quem afinasse a gola numa desgarrada ao desafio a ver quem pagava o copo. É claro que para os três tocadores havia sempre uma rodada que alguém pagava. Quem pagasse tinha direito a escolher a moda.
A gente das aldeias é praticante do aforismo: deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer, mas nas noites de farra, o relógio não é visto nem achado e enquanto houver povo que acompanhe e vá pagando rodadas os tocadores não paravam o concerto. À medida que os copos se iam somando as desafinações eram mais frequentes, mas Bondito voltava a meter  tudo ao rêgo e a música chegava sempre ao fim.
O regresso a casa era sempre estrada acima e viravam para o cavacal  em frente da estrada nova. No cruzamento para o ribeiro cimeiro tocavam a última  e despediam-se. Bondito morava logo ali e bastava-lhe subir umas escadas de pedra, dar a volta à chave, pegar na candeia que a mãe lhe deixava à porta com o registo baixo e, mais direito ou mais torto lá chegava à cama, apagava a candeia e logo pegava ao sono. Ventaneira agarrava nos pífaros e ia para casa a caminho do ribeiro cimeiro e não precisava de subir escadas já que a casa era térrea. Tinha sempre a mulher à espera, sentada ao lume a dormir um sono assado e invariavelmente perguntava: "que horas são ?", ao que Ventaneira, naquele dia mais alegre que o costume respondeu: «são dez». Ela resmungou: "só ouvi uma pancada no sino..." e Chquim: «atão querias que também batesse o zero?» Ela levantou-se a rosnar e deixou-o a arrumar os pífaros. Poças, ao contrário, descia em direcção à cruz do Cavacal e tinha que subir uns quantos degraus sem qualquer corrimão. A subida começava num rochedo e os copos associados ao desnível contribuíram para que Poças apanhasse um valente plagato e o armonho rolou pedra abaixo e quando o vem apanhar tropeça e lá vai mais um flagato. Acabou por se decidir a subir as escadas de gatas, premiu o trinco da porta, bebeu um copo de água do asado e lá se foi. Que se saiba não voltou a cair senão na cama para um sono retemperador.
Com tanta água que tem caído, cuidai-vos não apanheis nenhum plagato.
XXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGRRRRRRRRRRRRAAAAAANNNNNNNNNDDDDEEE

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