quarta-feira, dezembro 14, 2011

A NOSSA FALADURA - CLXXIII - EMBISGA/EMBISGAR

Foram, que eu saiba, duas, as mulheres a quem se atribuiam poderes de bruxaria nas terras xêndricas: a velha Batorelhas e a velha Casaca. Batorelhas morava mesma à esquerda da igreja, primeira casa, com acesso por uma escadaria granítica a meio da qual havia um bureco do qual dependia, de manhã e à tarde, uma tábua com travessas, por onde duas pitas e um galo desciam e subiam, já que era ali a capoeira. Todos os dias Batorelhas tomava o cu para ver se tinham ovo e, a confirmar-se, subia a um baturel, metia a mão num caco colocado à entrada e tirava o ovo; a velha Casaca morava numa casa ao início da rua das aranhas, paredes meias com a velha tasca do estanqueiro, tinha uma loja que nunca vi aberta e ascendia-se ao primeiro andar, também por uma escadaria de pedra, só que, em vez de ser frontal como a de Batorelhas acompanhava a parede da casa e acabava num pequeno alpendre que tinha um telheiro suspenso por colunas de madeira. Diziam as más línguas que a casa não tinha sobrado e que Casaca, mesmo de noite, se passeava pelas traves e caibros e que, de vez em quando se ouvia um zunido que resultava da vassoura de giesta que ela montava. Não havia mobília a não ser uma pedra de lar onde, dependurada das cadeias , baloiçava uma panela de ferro, serventia constante da magra culinária. Como ninguém a via ir à lenha, diziam que, de noite, montada na amestrada vassoura, ia à serra da Carochinha, ordenava aos gravetos que se formassem em molho, metia a vassoura por baixo e aí vinham, ela e a lenha até casa. Chispava uma pinha com  um embisgar do olho direito e o lume acendia-se não sendo preciso meter lenha, já que bastava ela mostrar vontade e o gravato saltava para a fogueira. Famoso era o seu escarro. Puxava lá do fundo da garganta o muco, enrolava-o na cavidade bucal e expelia-o com trejeitos de arte a uma distância considerável. Com um tremoço no meio, pareceria um ovo estrelado. Saía pouco, sempre de preto e a olhar de lado, desconfiada. Garoto que a vislumbrasse ou adulto que por ela passasse punham as mão atrás das costas ou dentro do bolso e faziam figas com as mãos ambas e praguejavam: vade retro Satanas".
Batorelhas não era tão misteriosa: desde que o tempo o permitisse sentava-se na escada, chamava as pitas e o galo, esfarelava-lhes pão molhado ou restos de uma batata cozida e estimulava-os- pnina,pnina,pnina, gatcha,gatcha,gatcha...,tomava-lhes o cu e, toda escanchada, deixava ao léu tudo, sem qualquer pudor, e se lhe apetecia verter águas, abria as pernas por debaixo do bureco das pitas e ali mesmo se aliviava, limpando-se à combinação de flanela, cuspindo, também ela um valente escarro, mas não com a arte de Casaca. Sempre descalça, a sola dos pés podiam pisar um alacrário ou carapetos de silva, até mesmo um brocho que os cascos aguentavam, qual muralha inexpugnável às arremetidas dos picos. Uma vez a vi eu a esfregar ouriços para lhe sacar a castanha. Aquilo sim, era calçado!
Era raro ver-se Casaca na rua;  já Batorelhas corria as ruas sem qualquer problema, mas não se livrava que a canalha  a apupasse com o " olha a bruxa, olha a bruxa...! " Acompanhava-a sempre um pau, que lhe servia de bengala e com ele ameaçava qualquer garoto que dela se aproximasse. Já sabia que se o atirasse a algum nunca mais o via. A figura era de uma mulher esguia, de pescoço alto, seca de carnes, nariz um tanto adunco e um olhar mortal. Quando zangada, ora embisgava um olho, ora o outro e, ao ralhar, mostrava uma gengiva com três dentes apenas e fazia um esgar que a tornava numa figura cuja aparência não se afastava muito daqueles desenhos clássicos das fadas más das fabulosas histórias de então.
Curiosamente não era a elas que o povoléu recorria quando queria mezinhas, unguentos ou qualquer artifício para enfeitiçar alguém. Todos lhes tinham medo. Outras eram as benzilhoas que quebravam os quebrantos, deitavam a agulha ou tinham preparados para as maleitas, chás para as dores e sei lá que mais : Figo Seca, Espeta Figos, Rosa Manata, Julha do Toco, Olho de Lata, e outras.
Que conste nos anais xêndricos, nada aconteceu de mal que estas mulheres - repare-se que são sempre mulheres- alguma vez tivessem causado, fosse pelo embisgar dos olhos, fosse pelas curandices.
Outros que vós bem conheceis, de fato e gravata, bem montados e sempre acompanhados por acólitos de igual vestimenta e montada, loirinhos e de olhos azuis como os meninos bons das minhas histórias da minha meninice, esses sim, parecendo que não partem um prato, escavacam a cantareira toda.
É com esses que vos deveis pôr a pau porque sendo coelhos não comem couves, nem cenouras, mas subsídios de Natal e de férias.
Bom Natal para todos!
XXXXXXIIIIIIIIGGGGRRRRRRRRRRAAAAANNNNNDDDDDDDDDDDDDEEEEEEEEEEEEE

2 comentários:

Idanhense sonhadora disse...

Ora como eu concordo com o remate ....A esses é que eu faço figas e digo "vade retrum satanás ". Quanto às bruxas das altas serras Beirãs , esses eram inofensivos e serviam era muitas vezes para a catchopada se advertir,,,
Muntas vegitas
Quina

Anónimo disse...

Linguagem mais vernácula não há!
Ainda, quanto ao aliviar das "águas" de dia e em plena rua, me lembro eu de, sendo então garoto,ter visto algumas dessas velhas de então, que usavam saiote escuro e comprido, a puxar com a mão o saiote para a frente da barriga, para o esguicho do dito líquido não encharcar essa indumentária.