terça-feira, março 30, 2010

A NOSSA FALADURA - CLI - GUINHA

Mais uma vez voltamos à lei do menor esforço: guinha, mais não é que as duas sílabas finais do significante BORREGUINHA. Só que borreguinha tinha muita exigência linguística e o povo, na sua eficácia mais que tradicional, depressa deu a volta por cima e reduziu para GUINHA. Tão simples quanto isto.
Estamos quase na Páscoa e serão muitos os anhos a ser imolados e comidos, cozinhados das mais diversas formas.
Comecemos então pela confecção da guinha para esta Páscoa:
- Em tempo prepare-se um bom pau de loureiro capaz de suportar a rês no ar e resistir ao calor do forno a lenha
-Amanhe-se um borrego de boa casta (merino, malato,...) aí com obra de 8 kg, limpo. Apare-se o sangue para uma malga onde previamente se deitou sal e vinagre. Coza-se e reserve-se no frio.
-Cuidado ao abrir: apenas na zona da gola um corte e outro com cerca de um palmo no ventre por onde sairão as tripas. (qualquer bom matador sabe fazer isto e também que a mão que mexe em lã nunca pode tocar na carne).
-Bom é que seja morto com dois dias de antecedência e fique a secar pelo menos 12h
- Extraia-se o célebre bodum das duas massas, abra-se o queixal, retire-se o maxilar inferior e a língua e machadem-se os dentes do superior com um machado cortante procurando não esfacelar.
-Com o fígado, os rins, coração e as glândulas (tudo finamente partido) faça-se um guisote com cebola puxada quase ao mel, temperada com pimentada caseira, bastante alho, picante para quem gosta, salsa migada e sem tomate. Não pode cozer muito , junte-se um bom arroz (basmati, estufado, uncle bens, ou outro rijo) e encale-se, de modo a que nem fique aguado nem seco (água crrespondente a uma vez e meia).
-Entretanto, faça-se uma pasta com uma boa cabeça de alho, (os dentes sem grelo), batida em almofariz com sal grosso, duas colheres de sopa de banha de porco, azeite, três colheres de margarina vegetal, pimentada caseira (atenção ao sal), duas folhas de louro.
- Com navalha ou faca bem afiada façam-se uns golpes de dentro para fora, mas sem perfurar a carcaça, ao longo de todo o borrego, introduza-se o guisote no interior do borrego e cosam-se os dois rasgos com fio de brabante ou outro resistente. De seguida barre-se o exterior com a pasta, de forma homogénea, atravesse-se com o pau de loureiro por forma a que caiba no forno onde vai ser assado e amarre-se bem o borrego com arame resistente mas flexível, de forma a que não rode no eixo. Existem no mercado uma espécie de grampos que evitam que rode.. (Haja o cuidado de no extremo interior do forno colocar um tijolo de 15cm para servir de apoio a uma das extremidades do pau de loureiro -está bem de ver que terá de ser a mais grossa. Deixe-se repousar no mínimo 24 horas.
- Aqueça-se o forno lentamente com lenha rija seca, como quem avinha (torga, azinho, cepa de oliveira, medronho, moca de esteva,...) nada de muita ala, vá-se espalhando o calor de forma uniforme por todo o lar e abóbada.
- Tape-se a carcaça com papel alumínio de forma a que esta não encoste à carne- podem utilizar-se pequenas forcas de pau de loureiro, espetadas na carne, e, assim, criem intervalo entre a folha e a carne.
- Quando o forno estiver bem quente, limpe-se, coloque-se um tabuleiro com vinho branco, azeite e batatas partidas à padeiro ou, então, novas, redondas e pequenas, duas cebolas picadas e que ficará por debaixo do borrego.
-Introduza-se o borrego com o dorso para cima, apoie-se a extremidade no tijolo, tendo tido o cuidado de precaver outro suporte para a entrada do forno e deixe-se tostar por 15 a 20 min. com o forno bem fechado.
-Retire-se o alumínio , mexam-se as batatas que entretanto começaram a ser regadas com o molho que foi caindo do borrego. Verifique-se o líquido e, se necessário, acrescentar água a ferver para não encruarem e deixe-se por mais 30min.
-Vire-se agora o borrego, repita-se a observância do líquido nas batatas, confira-se o tempero e volte-se a tapar o forno, por mais uma hora.
-Vire-se de novo, voltando à posição original e deixe-se cozer por mais 45min.
-Sirva-se a acabar de sair do forno e pode ser ainda acompanhado por uns grelos de couve salteados. Bom proveito.
Quem ofereceu o borrego foi o Amílcar faiçal que o cravou ao pai João Estica, regedor que foi por muitos anos, depois de reformado da G.N.R. em Medelim, e sapateiro remendão que cortava as meias solas, em corpon, à canha e a mim me fazia espécie. ..
Nosso Zéi foi o matador e seguiu as instruçóes que lhe e vos dei:" agora com esta é que tu me chapaste, a abrir um borrego assim; bem, sempre quero ver a obra que daí sai!"
Minha tia Isabel do Tonho labouxa emprestou o forno e a loja para a comezaina e a equipa era do mais fino que se podia arranjar: coiote pete, toco jabão, abraço de basuca, nosso sargento, o grande, joão antónio, o geba, que ofereceu o vinho, filho do chico mainovo que levou o pão, contramestre que levou um queijo, João Pinga que roubou dois chouriços à mãe, zé isidorico que se apresentou com um uísque dos valentes, e o pedro safara que nos presenteou com azeitona britada, do alentejo como ele e, está claro, eu, o grande artífice da confecção e o ofertante faiçal mais nosso zéi, que ali era o dux veteranorum.
Só vos digo que sobraram os ossos e o que valeu, para além do já referido, foi uma sopinha de grão, cabeça de nabo, muita abóbora e agrião com quatro ovos cozidos e picados, aromatizada com hortelã, que entretanto fui fazendo na panelinha de ferro da tia Isabel. Lamberam-se.
Pedro Safara, naquele timbre alentejano genuíno de Barrancos, dobrou o prato da sopa e ao fim, enquanto se limpava à cota da mão: "belo caldo, si senhor e : Oh, rapa a unha, do que é que fizeste o caldo?" Lá lhe disse e ele: «nós lá em Barrancos damos a abóbora aos porcos» e eu: "nós aqui também".
Boa Páscoa! Vemo-nos na Sra do Bom Sucesso, que a do Incenso não a passo cá.
XXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIGRRRRRRRRRAAAAAAAAANNNNNNNNNNNNNNNNDE
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3 comentários:

Chanesco disse...

Depois de uma comezana destas, bem comido e melhor boído, e arrematado com um caldo de botelha, um gajo assujeita-se a ficar com olhos de guinho mal morto.

Boa Páscoa

Zé Morgas disse...

Não foi Guinha, mas sim um valente cabritinho que ajudei a papar lá para os lados da cavaleira, em Penamacor.
Tudo farei para poder estar presente na Senhora do Bom Sucesso, e com o apetite do costume.
Abraço

Anónimo disse...

A propósito... Não foi por alturas da Senhora do Bom Sucesso que tudo começou? Quer-me parecer que sim e podem confirmá-lo voltando atrás no tempo. Há 5 anos atrás que o Karraio, nos primórdios deste Blogue, apresentou o seu programa da festa. Parabéns pela longevidade, pela criatividade, pela boa disposição e por tudo o mais que quiserem.