terça-feira, junho 09, 2009

A NOSSA FALADURA - CXXXVI - DEITAR

No domingo transacto fiz questão de me incluir na minoria que dá valor à forma mais formal de participação em democracia e lá fui deitar.

Esgotadas que estão 3 décadas de democracia, as assembleias de voto já se civilizaram, já não têm a animação dos primeiros tempos em que o povo experimentava a novidade do voto livre. Nos primórdios, em pleno PREC, a aprendizagem democrática também se fazia à custa de alguns conflitos, o que tornava o ambiente mais interessante e animado para quem gratuitamente se prestava a passar o dia a lamber folhas de papel à procura do nome do eleitor que não tinha cartão.

Estávamos em 1976, a caminho do solstício do Inverno e o povo ainda estava hesitante na avaliação da nova estética urbana imposta por uma novidade a que chamaram campanha eleitoral e que consistia em tapar todas as paredes com cartazes de vários tamanhos a preto e branco, alguns com a cara dos candidatos à presidência da Câmara, outros só com o "Vota **". Pouco faltava para as urnas encerrarem quando à assembleia de voto chegou João Meioquartilho, nariz rosado e a fungar, chapéu levantado à frente tornando bem visíveis as profundas rugas que o sol e a vida dura do campo lhe tinham desenhado na testa, já entornado, como era habitual todos os domingos, com o bandulho a abarrotar de morangueiro do Cavalheiro. Entrou determinado na sala e anunciou bem alto:

- Olhér lá! Ê quero dêtar p'ó Karraio (faz de conta). Ond'é quê dêto?

O Presidente da Mesa, Amândio Basófias, aposentado como sargento-mor do Exército, conhecedor das regras e disposto a fazê-las cumprir, apressou-se a informar o Meioquartilho que o voto era secreto e que não era permitido que ele revelasse o seu sentido de voto.

- Ai não? Atão mas estamos em liberdade ó no estamos, hein? Atão agora já no se pode falar à vontade outra vez? Já no bastou esse bandido do Salazar? Hein? Atão mas qu'a raio! Ê quero dêtar p'ó Karraio (faz de conta) porque me pagou 3 meiosquartilhos naquilo do Cavalhêro e p'a mai nenhum cabrão que no me pagou nada.

Autoritário, Amândio Basófias decretou que o Meioquartilho não estava em condições de exercer o direito de voto e determinou a sua expulsão da assembleia de voto. O delegado da lista do Karraio (faz de conta) opõs-se de imediato com o argumento de que o voto era um direito e o basófias não tinha o direito de impedir o eleitor Meioquartilho de o exercer, passando de imediato a contar com o desacordo dos outros delegados que se puseram ao lado do Presidente da Mesa. No meio do rebuliço que se gerou, o Meioquartilho, à rasca para esvaziar (outra vez) a bexiga, achou por bem retirar-se do debate, não sem antes vociferar:
- Ai no me dêxandeis dêtar p'ó Karraio (faz de conta)? Atão tamém no dêto p'a mai nanhum.


7 comentários:

António Serrano disse...

Naquele tempo, o "Baságueda" ainda não existia e isso fez toda a diferença. No Domingo passado, o Amândio Basófias deixaria mesmo o Meioquartilho "dêtar p'ó Karraio (faz de conta)" pois hoje e aqui há obra. E obra paga-se com votos. Que não no Valentim. Nem no Isaltino. Nem Fatinha... Vos arrenego, Mafarricos!!!
Ah! Lá em 1976 ... ninguém sonhava que íamos dar "nisto"!!!

pratitamem disse...

Ê quero dêtar p'ó Karraio (a sério).
Enquanto esse dia não vem, vamos lendo estes belos escritos. Já estava com saudades da tua escrita Karraio!

Vá atão...

Anónimo disse...

Em 1976, a corrupção do Portugal atrasado estava ao nível de copos de meio quartilho. Felizmente que Portugal evoluiu ao longo destes anos, não é?

Zé Morgas disse...

atão e se dêtassemos abaxo, aqui em Deixa o Resto, uns carôleros de tintol, com uns valentes secretozitos de marrano preto?
abraço

chanesco disse...

Meioquartilho não quiz dêter em ninguém, mas se tivesse dêtedo, branco ou tinto, o voto dele seria tão legítimo como o do Amândio Basófias - essa é qué essa.

pratitamem disse...

Foi por via dessa legitimidade, que o macaco foi... foi uma limpeza! Com alguns advogados que temos, que são os que inventam as leis que temos, com as mil e uma formas com que essas leis permitem criar legitimidade!? vai lá vai... Neste pais nos dias que correm, não basta ser legitimo, é fundamental mais do que legitimidade, MORALIDADE! Tenho dito!

Jorge Portugal disse...

Caro amigo karraio, na impossibilidade de o fazer por outro meio, gostava de partilhar no Baságueda a criação de uma nova rede social.

Trata-se do grupo da Escola Secundária Nuno Álvares, e pretende reunir num único espaço antigos alunos e docentes daquela casa.

É um projecto recém-criado, tendo por isso ainda pouca gente, daí aproveitar a projecção do Baságueda para passar a informação! Espero que não leve a mal a ousadia.

Sabendo que também foi docente da ESNA, deixo então aqui o convite para se juntar a esta rede:
http://liceununoalvares-cb.ning.com/?xgi=hi4oX9l