Muitas são as expressões populares para designar barriga cheia: bandulho, papo, blusa, camisa, tripa (tudo CHEIO) mas esta de parranço é uma das mais frequentes na zona da raia.
Por tradição e até cultura - convém dizer que a tradição é um dos elementos da cultura - o português é bicho para enfardar o que quer que seja, desde que seja muito, não se preocupando muito com a estética do prato. Aquelas novas modas da cozinha contemporânea em que são mais os riscos a borrar o prato do que o entulho comestível não casam muito com o lusitano vero. Nem que sejam azeitonas com batatas cozidas com casca (mas descascadas à hora) é preciso é que se encha o papo. A sensação de fartura é algo predominante na cultura portuguesa. A comer, os portugueses gostam sempre de MUITO. Se for BOM, ajuda, mas não é indispensável. Se houver fome, então, até pão e navalha como conduto chegam... mas que haja pão. Não se passe como na malha do velho Elias em que a Rouca perguntou ao Estronca Brochas: "atão o pão chegou?" e ele:« foi o pão a acabar e as navalhas a fechar».
Já nos tempos dos reis, mormente D. Dinis, esse esposo infiel da Rainha Santa, havia o direito de comedura: por onde quer que passassem os reis tinham por direito de suserania a posse de todos os haveres das terras, para si e seu séquito, até mesmo das mulheres. Não admira que os reis tivessem tantos filhos bastardos. Como sói dizer-se: «É fartar vilanagem». Até mesmo quando sob o domínio filipino e antes, na crise de 1383-85, Tomás Ribeiro em D. Jaime propalava: «Portugal é lauta boda onde come a Espanha toda».
A afirmação: deus criou o homem (independentemente da falacidade) e o português criou o mulato" já nesta altura era visível...
Voltemos ao D.Dinis: Oh Damas por quem me aflijo / oxalá vós consintais/ que eu introduza por onde mijo/ onde, por onde vós mijais. Esta lubricidade tem a ver com o parranço cheio: onde quer que vão - e foram a todo o lado - sempre a genética lusa deixou marcas: «para ficar completo tem que se deixar aqui semente.» E se eles deixaram! provavelmete será dos povos que mais genes espalhou. Não bastava encherem a barriga deles, tinham que encher a barriga às mulheres. Má bicharada esta, a Lusitana!
A lubricidade desta gente é tal que nem os santos, mesmo os mais populares, se escapam à brejeirice da versejação: em Amarante, por exemplo, o próprio bolo (espécie de cavaca de diferentes tamanhos - O S. Gonçalinho (vai lá vai, a ajuizar pelo tamanho), tem a forma de um falo e é frequentemente invocado, até mais pelas mulheres do que pelos homens para que a eles nunca lhes falte a virilidade do pastor amarantino : "S Gonçalo de Amarante/ casai-me que bem podeis/ Já tenho teias de aranha/ no sítio que vós sabeis", e nem o Senhor de Matosinhos se escapa «Oh senhor de Matosinhos /que estais virados para vila /virai-vos pró outro lado /que vos bate o sol na pila. ».
Dê a volta que der ,a conversa entre lusitanos vai sempre a parar ao mesmo sítio: aos genitais. Mainada!
Entre os xendros houve verguios que espalharam semente comédado: o meu avô materno - que já não conheci - , embora de duas mulheres, deixou dezasseis filhos. Valente! Encheu bem o parranço. Só morreu um, de pequeno, com o que na altura se chamava o garrotilho-
difteria, para os entendidos- julgo -.
Ora vamos à estória: coiote pete, toco jabão, brutamontes, jabão pitincouro, albardinhas bertcho, teixeirinha, velho ourives e, claro, eu, na padaria do dito albardinhas, quando era ainda no Outeiro, perto do Domingos Molhano, fomos mamar uma coelha prenha que coiote tinha roubado ao Domingos Refe ali para o caminho da lomba: apalpou e o que lhe pareceu maior é que trouxe.... calhou coelha... A fome não escolhe qualidade e o parranço estava oco e pronto ... Toca com a coelha para a caçola, temperada como mandavam as regras, batatinha nova para outra caçola e ala! dentro do forno da padaria, antes da fornada que pitincouro batia assim mesmo comédado. Caçolas tapadas com telho de alumínio, fiscalização atenta, sueca a matar tempo, tinto a escorrer com chouriça gamada por coiote pete à mãe, e mal aquilo estava engrolado toca a encher a blusa que a hora era tardia, pitincouro tinha o pão finto e estava tudo com a galga. A coelha era enorme, comeu-se à grande e sobrou batata que nem vos conto... Sobrou? Toco Jabão aposta com teixeirinha e emborcou o resto do batatal. Nem uma que ficou.
Mamamos todos gambas na Rosa à conta do teixeirinha. Enchemos mesmo o parranço e a história revivida do batatal papado por Toco Jabão.
Outros tempos outros hábitos .
XXXXXXXIIIIIIIIII GGGGGGGGRRAAANNNNNNNNNNDDDDDEEEEEEEEEE.
4 comentários:
Belos tempos, os da tua juventude.
Os texos, esses, têm sempre a marca da tua erudição! Consegues sempre misturar o saber com o fazer, o erudito com o popular...Espero que estejas a compilar tudo num livro, não percas tempo!
Já estou à espera do próximo texto!
Parranço. Não conhecia. "Aprender até morrer". A qualidade da texto é a mesma de sempre, excelente. O cuidado posto nele é que foi menos. Desculpem lá esta! Garrotilho = difteria, doença infecciosa da garganta e que "atafegava" - como um garrote - alguns dos doentes, sobretudo Crianças. Ainda morreram algumas mais novas do que eu, por aí! Felizmente, há vacinas.
Agradeço, reconhecido, a correcção: é mesmo difteria e não varíola qu até já está banida da superfície terrestre. Ao que sei apenas existe o bacilo nos laboratórios dos grandes potentados fármaco-medicinais. Dizem que é "por se acaso..."
Está bem de ver que parranço é a primitiva de emparrançado, muito mais vulgar na linguagem popular.
Ossos do ofício, Changoto.
O meu professor Serrano no seu melhor:
Sempre atento.
Ler textos é como corrigir uma redacção.
A minha dúvida das 3 da matina:
cedrteza = certeza ???
texto anterior
um abraço a ambos
Zé Morgas
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