quarta-feira, maio 20, 2009

A NOSSA FALADURA - CXXXIV - ARANCUM

Devo começar por fazer uma declaração: este termo era a minha tábua de salvação quando não me ocorresse uma história. Nunca pensei, à partida, que ele fosse motivo de tanta vitalidade aqui no baságueda.
Esclareçamos: o arancum é o pirilampo, que à letra quer dizer luz no cu (arancum) ou luz de fogo (pirilampo). O árabe e o grego mais uma vez patenteiam as suas influências na lusa língua. O que deve ter acontecido ao Pratitamen é que, com certeza, foi picado por alguma urtiga, quando andava aos pirilampos. O bicho é pacífico e a luz é apenas um chamariz para as suas amadas virem para junto dele e passarem um bocado no bem bom.
Havia mesmo muitos nas guardas da ponte.
Em honra ao arancum hoje não vos vou escrever uma história mas vou partilhar convosco dois textos que considero com mérito para figurarem no baságueda e que merecem mais luz do que a que produz o traseiro da nossa vedeta de hoje.
O primeiro texto teve que ser transcrito, mas obedece em rigor ao que D. Tancredo escreveu. Permiti-me que chame a a tenção para a data :1934.
O segundo é obra deste escriba que, de quando em vez divaga devagar e divagando d e v a g a r i n h o vai assim como que de vaga em vaga, vagando por onde calha e cismando sem querer criar qualquer cisma ,brinca a sério com a futilidade do importante e com a importância do fútil. No fim tudo é a mesma coisa tal como o tudo que não pode conter tudo porque se contivese tudo teria que se conter a si mesmo e ao nada; ora se contivesse o nada negar-se-ia em absoluto porque o nada é absorvente e assim o tudo tornava-se nada e o nada ,tudo. O melhor é que continuem a existir os dois: o tudo como a incompletude do todo e o nada como o vazio cheio do que lá pusermos.
Perguntaram-me uma vez o que era o nada e a resposta que na altura me ocorreu foi a mesma que hoje aqui vos deixo: o nada é uma faca sem cabo e sem lâmina. Os conceitos têm lá porras, não têm, como diria o meu amigo Lameiras de boa memória. Nada é absoluto, nem esta afirmação, tal como dizer que tudo é relativo é em si mesmo a antítese porque se auto nega.
Bom, vamos aos textos:

Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura


Exposição


Porque julgámos digna de registo,
a nossa exposição, senhor Ministro,
erguemos até vós, humildemente,
uma toada uníssona e plangente
em que evitámos o menor deslise
e em que damos razão da nossa crise.

Senhor! Em vão, esta província inteira,
desmoita, lavra, atalha a sementeira,
suando até a fralda da camisa.

Falta a matéria orgânica precisa
na terra, que é delgada e sempre fraca.
_A matéria, em questão, chama-se cáca.

Precisamos de merda, senhor Soisa!
E nunca precisámos de outra coisa.

Se os membros desse ilustre Ministério
querem tomar o nosso caso a sério,
se é nobre o sentimento que os anima,
mandem cagar-nos toda a gente em cima
dos maninhos torrões de cada herdade.

E mijem-nos, também, por caridade!

O senhor Oliveira Salazar
quando tiver vontade de cagar
Venha até nós!...

Solicito, calado,
busque um terreno que estiver lavrado
e,… como Presidente do Conselho,
queira espremer-se até ficar vermelho!

A Nação confiou-lhes os seus destinos?...
Então, comprima, aperte os intestinos;
se lhe escapar um traque, não se importe,
…quem sabe se o cheirá-lo nos dá sorte?
Quantos porão as suas esperanças
num traque do Ministério das Finanças?...
E quem viver aflito, sem recursos,
já não distingue, os traques, dos discursos.

Não precisa falar! Tenha a certeza
que a nossa maior fonte de riqueza,
desde as grandes herdades às courelas,
provém da merda que juntarmos nelas.

Precisámos de merda, senhor Soisa!
E nunca precisámos de outra coisa.

…Adubos de potassa?... Cal?!...Azote!?!...
Tragam-nos merda pura, do bispote!

E todos os penícos portugueses
durante, pelo menos, uns seis meses,
sobre o montado, sobre a terra campa,
continuamente nos despejem trampa!

Terras alentejanas, terras núas,
desespero de arados e charruas,
quem as compra ou arrenda ou quem as herda
sente a paixão nostálgica da merda…

Precisamos de merda, senhor Soisa!
E nunca precisámos de outra coisa.

……………………………………………………………

Ah!... Merda grossa e fina! Merda boa
das inúteis retretes de Lisboa!...

Como é triste saber que todos vós
andais cagando sem pensar em nós!

Se querem fomentar a agricultura
mandem vir muita gente com sultura.
Nós daremos o trigo em larga escala,
pois até nos faz conta a merda rala.

Venham todas as merdas, à vontade,
não faremos questão de qualidade.
Formas normais ou formas esquisitas!
E, desde o cagalhão às caganitas,
desde a pequena pôia à grande bosta,
de tudo o que vier, a gente gosta.

Precisamos de merda, senhor Soisa!
E nunca precisámos de outra coisa.


Évora, 13 de Fevereiro de 1934

Pela Junta Corporativa dos Sindicatos reunidos do Norte, Centro e Sul do Alentejo


O Presidente

Dom Tancredo (O Lavrador)



II







O PONTO ESTÉTICO

O ponto tudo inicia e tudo acaba. Para tudo, ou quase tudo, há um ponto de partida e um ponto de chegada.
Ao longo da nossa vida andamos sempre à procura do nosso ponto:
A criança aproxima o livro o idoso afasta o texto…
O ponto é o elemento da recta, que mais não é que a sua infinitude e se fecharmos a recta, o ponto transforma-se em plano, já com superfície definida; não se esgota aqui o ponto, afinal, o volume é ainda a tridimensionalidade do ponto.
Ocupamos, depois, um ponto no espaço, e o espaço está cheio de pontos: uns vazios, outros cheios, uns próximos outros longínquos: que é a Terra, afinal senão um minúsculo ponto no seio do Universo?
Este mesmo Universo começou por ser um ponto grande que, grávido de energia, explodiu e preencheu o que vemos e o que não vemos, dispersando-se por infinitos pontos.
É ainda o ponto que procuramos quando pretendemos a perfeição: a comida está óptima, quando estão no ponto, a confecção, o sal, a apresentação…
A verdade e a mentira são pontos de vista e a afinação dos instrumentos tem um ponto exacto; acertamos a nossa vida pelo ponto certo e quando queremos argumentar e contra-argumentar asseveramos que é aí mesmo, ou não, que bate o ponto.
A meta é um ponto de mira como o alvo e até os nossos desejos mais íntimos almejam alcançar um qualquer ponto. O nosso ponto.
É assim o artista: tudo começa num ponto, seja a primeira nota de uma sinfonia ou o primeiro risco de uma pintura, a primeira cinzelada na pedra da escultura, o primeiro corte na madeira da imagem, a primeira letra de um romance e é porque algo toca ao nosso ponto sensível que se torna significativo para nós. A adesão ou a repulsa e o afastamento do que sentimos mais não são que pontos da nossa sensibilidade.
Mais que sensação, que é bruta, a estética é sensibilidade, é percepção, porque inteligente.
A arte gravita no mundo da emoção e portanto não tem ponto fixo, não tem regra, não precisa de ponto geométrico.
Arte é imaginação, criatividade, ponto fora do plano e por esse ponto tudo pode passar.
O ponto é, assim, a encruzilhada do infinito. O infinito reduz-se a um ponto.
O ponto é a perfeição, por isso o colocamos apenas no fim.
O ponto não ocupa qualquer lugar.
O ponto para estar no ponto tem que estar no ponto certo.
Só quando tudo está acabado é que dizemos: ponto final!
Quando temos lacunas mnésicas é que mais apreciamos o valor do ponto: como no teatro, quem safa o actor é o ponto.
Até há pessoas que são mesmo um ponto.
Parece então que não há só um ponto, tantos são os pontos.
Chegamos a um ponto em que já não se tornava aconselhável continuar …
Os melhores pontos são os que têm nós. mas um ponto assim fecha-se, não produz, não gera.
O melhor então é juntarmos dois pontos, ou então, porque não, um ponto e uma vírgula: quem sabe se do acasalamento não nascem reticências?
Não se dê, então, ponto mas sele-se com uma laçada.
Pode ser que um dia deslacemos o laço e que o ponto sem nó venha até nós com novos pontos …
A isto chamo eu Pontaria. ....

Queria finalmente pegar no ponto que o nosso amigo Chanesco nos deixou : Salamanca , salamanca, uns sara outros desanca.
O poeta latino Marcial, já tardio na literatura latina,sendo mesmo já por muitos considerado como um escritor do que se convencionou apelidar de baibo latim, que viveu em Sagunto ( hoje mais ou menos Barcelona) relata mesmo os poderes da salamanca=salamandra: se queres mal a alguém passa-lhe uma salamanca pelo chapéu e verás como de repente fica careca. Com cedrteza que dama que fosse alvo de uma vingança destas nunca poderia ser a vedeta do poema de Nicolau Tolentino que Almeida que lembra a esquisita circunstância de, por tanto querer andar na moda, a uma senhora da alta, um dia num banquete, perante o espanto geral, lhe sai um colchão de dentro do toucado.
Os répteis(neste caso um batráquio) curam se deles fizermos canja ou podem matar se nos deixarmos morder por eles.
Atenção que não falam nem metem barulho mas vão a todo o lado. Há por aí muita salamanca: andai com o olho aberto, não vos desanque por estardes distraídos.
XXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIiiiiiiiiiiiiiiiiiii GRANDE!

7 comentários:

João L Oliveira disse...

Excelente ...um 19 como diria o Dr Marcelo.

È sempre bom registar que o Basagueda esta a regressar aos grandes níveis de participação nos comentários

Zé Morgas disse...

salamanca=salamandra
cedrteza = certeza ???
11ª linha a contar do final do texto.
E, para que não falte a matéria, que Dom Trancredo clama, vai este amigo, já,já, a caminho de Deixa-o-Resto, "atabojar-se" nuns valentes secretos de porco preto, tão do agrado do Karraio.
Passai Bem

António Serrano disse...

Estão lidos!!! Ui!!! Quase duas da manhã???!!! Bem bom!!!

Anónimo disse...

O meu ponto de admiração(!)pela segunda parte do texto.
Um espectáculo.

Chanesco disse...

Este post merece um prémio:
Um arancum (sarançum, como dizemos nós) atado numa linha.

sarançum disse...

Nunca me tinha apercebido que o "sarançum atado a uma linha" era um arancum, quer dizer, um pirilampo. Um pirilampo atado a uma linha, eis o que tantos garotos antigamente sonhavam ter. E eu que há tanto tempo que não vejo um pirilampo. Quando apanhar um, vou atar-lhe uma linha só para ver o efeito.

primo do sarançum disse...

É só para lembrar que o ARANCUM MÁGICO está à venda.

Colaborem numa boa causa.