quarta-feira, janeiro 07, 2009

A NOSSA FALADURA - CXXIII - CRUITO

Há quem diga que o melhor remédio para vencer momentos de crise, doença, fraqueza, ... é querer ultrapassá-las. Assim, um doente pode recuperar mais depressa se ajudar os remédios a fazer efeito, isto é, se colaborar internamente, com as ajudas externas. E assim de seguida.
Carl Rogers falava na pessoa como centro e assim o ajudante externo apenas seria facilitador da recuperação dos momentos de afundamento de qualquer pessoa. Ninguém substitui ninguém e se o acompanhante conseguir estabelecer com o outro uma relação de companheirismo, de entendimento, enfim de empatia, consegue compartilhar as mesmas emoções e, como agora são dois a querer subir a montanha é mais garantido que acedam ao cruito. Nenhum de nós é melhor do que nós todos juntos. Facto é que todos precisamos uns dos outros. Até o narcisista socrático que nos governa precisa de quem vote nele. Nanja eu...
Afinal a questão do ser e do ter continua premente. Em termos efémeros, de usufruto, o ter é relevante, mas, em termos de perenidade, é o ser que comanda. Decididamente mais vale ser do que ter. Veja-se o que se está a passar com quem tanto tinha e agora é por todos considerado um trafulha, um mamão,.... Menos, outra vez, pelos governantes que se apressam a adiantar o que faz falta aos que têm muito e se descuida com os que não têm, às vezes, com que dar entulho ao bico. E a justiça vai com a governação. Emperra situações, os artistas da legislação inventam em tempo útil novas formas de empecilhar tudo e aqui andamos nós todos a ver andar os combóios e a construir aeroportos em vez de se construirem, por exemplo, hospitais de rectaguarda , e eles a viver à fartazana. Não vale a pena citar nomes mas não há dúvida, só para exemplificar, que o Vale e Azevedo é um paradigma. Tem, mas não é. Nunca será como nós que lemos o Baságueda que não temos mas somos. O ter é adjectivo, acessório, se bem que útil, mas o ser é permanência, contância, hombridade, dignidade. O ser está no cruito, o ter vegeta pelo pântano. Viva quem é, e mainada!
Tonho Brigadeiro era mesmo assim: sempre de fato à militar, espécie de ganga cinzenta, botões cravados como o fato dos músicos das bandas, bota de cabedal sempre bem ensebada, não raro com assomo de ceroula, por causa da encolha de tanto Angélica lavar as calças do mesmo material, na pedra da ribeira, ali junto à ponte . No tempo da azeitona, dizia o Brigadeiro, que era capaz de subir ao cruito das oliveiras, foito, assim mesmo comédado, porque "nenhum galho ou parnada de oliva se engarranchava naquela roupa e assim non havia empecilho que estorvasse a subida até ao último degrau da escada". Pena leve como era, Brigadeiro não se importava de começar as mudas à sombra porque ele, pequeno, leve mas verguio, agarrava-se logo à escada de dezoito degraus e ia logo lá para cima , mesmo até ao cruito.
Brigadeiro era feitor de Zé Geadas, roupa afinada, velhaco como as cobras, inquisidor mor, chegava a dizer que vinha ao povo quando andava lá pelas portelas, mas até dava conta se algum seu trabalhador ia a monte arrear o calhau. Punha-se a espreitar atrás de um barroco. Era má raposa, este Geadas.
Seu filho , também Tonho e Brigadeiro, fotocópia do pai foi o chefe de agrupamento de escoteiros na terra xendra. Foi efémera esta iniciativa e, em vão, Tonho se enfronhava a querer ensinar-me a dar os nós que os escutas sabem Tá quieto, oh mau! nunca aprendi aqueles nós esquisitos. Ainda assim, aprendi a sobreviver em condições, as mais agrestes. Aí sim, aí, era eu um campeão: a nadar, a resistir ao frio, a trepar a árvores, a arranjar armadilhas, a pescar à mão, a montar ciladas,... Eram bons os quinze dias de Verão!
Tonho era fiel às determinações dos escoteiros e cumpria religiosamente com os princípios do Baden Powell. Tinha mesmo uma folha onde cada Domingo marcava as faltas a quem faltasse à missa e era sempre do grupo de escutas que saía o ajudante para a missa pelas intenções do povo.
O velho Brigadeiro era fonte de arrelia para o filho Tonho porque, para além de chegar sempre tarde à missa, ainda por cima pigarreava e puxava pelos escarros de forma única em plena igreja o que era motivo de chacota e arrelia.
Tonho atentava-o:«num tem vergonha nenhuma, nunca mai aprende que o padre num espera por si... E depois vem sempre a alimpar as ventas prá missa, rais o afundem!»
O velho respondia invariavelmente: « Tu bim sabes que se eu tivesse vindo a horas à missa daquela vez, se calhar já num tinhas mãe quando ela escorregou ao cimo das escadas e vinha a arrebolar po li abaixo»
Nós já sabíamos a história, mas duma vez: «Ó ti Tonho, atão porque é que vomecê no agarrou a ti Angélica quando ela ia a rebolar pelas escadas?»
O velho tem esta tirada monumental: " Ó cachopo, eu num sabia se era promessa e assim ela tinha que se deitar abaixo das escadas outra vez. Assim só caíu uma vez, embora ficasse toda desmazelada." O que lhe valeu foi eu ter chamado a ambulância.
Tonho ficava baratinado e desandava dali.
XXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIII GGGGGGGGRRANNDDDDDDEEEEEEEEEEE

6 comentários:

João L Oliveira disse...

concordo com o mencionado no início ...é verdade ...

Anónimo disse...

Viva o Oli, Bom ano amigo! Viva o convivio antes da missa, viva o Changoto!

Anónimo disse...

Um muito bom ano de 2009 com saúde e criatividade. O blogue da Aldraba mudou de endereço.
http://associacaoaldraba.blogspot.com/

Anónimo disse...

Vai lá, vai!!
Agora chamem-lhe promessa!!!
Um abraço e um excelente ano de 2009!!

António Serrano disse...

É claro que ando sempre "à coca", na certeza de mais um texto "de se lhe tirar o chapéu"! E até o boné, que eu uso, habitualmente, para livrar a careca do frio e do calor!!! Pois tirei, mesmo com risco do resfriado!!!
Parabéns por mais este magnífico naco de prosa escrito por quem "sabe da poda"...

Anónimo disse...

Estavas de boa lua, quando escreveste esta, ó changoto!
Aqui deixo o meu blogue, dos lados da Gardunha.
http://www.dosenxidros.blogspot.com
Um abraço.