terça-feira, outubro 16, 2007

A NOSSA FALA - XCVI - APULAR

Chegou-me recentemente às mãos o nº 6 da Revista Estudos de Castelo Branco, de Julho de 2007 (nova série). A revista original foi fundada em 1961 pelo quase patrício do Vale da Senhora da Póvoa, José Lopes Dias, e por João Caetano de Abrunhosa. Actualmente, a revista é dirigida por António Salvado, poeta, e altruísta e filantropo, (estes dois adjectivos são da minha inteira responsabilidade). Fundamento: recebo regularmente a revista em casa sem pagar um cêntimo. No dia da apresentação desta nova série, ocorrida faz este Outono 4 anos, à qual em boa hora fui assistir, e em que rápida e facilmente me apercebi da elevada qualidade da revista, entendi como justo, dar a minha modesta contribuição, ao menos como assinante e leitor pagante. Já não me recordo bem das palavras do Dr António Salvado quando lhe manifestei o gosto, sincero, em deixar logo ali o valor correspondente à assinatura anual, mas lembro-me que fiquei com a sensação de ter levado um raspanete. É que esta revista não visa qualquer lucro material para o seu director e proprietário, para o sub-director, para o administrador, ou, creio, mesmo para os autores dos textos. Esta revista assume como ideário “uma atenção persistente aos valores da cultura, que o mesmo é dizer aos valores intrínsecos do Homem”. “Apenas” isto.

De entre os textos que compõem este nº 6 – todos excelentes, como é timbre - não posso deixar de destacar um que surge na órbita de interesses aqui do Baságueda, da autoria de José Teodoro Prata, intitulado “Instantes saborosos”.

Com a devida vénia, passo um cheirinho:

“O mundo em que me fiz gente já não existe. (…) Não foi na cama que a minha mãe me teve. Ela agachou-se e fez força para eu sair, enquanto a irmã dela, a minha tia Estela, a segurava pelos braços e a senhora Celeste Dias, a parteira, me apulava com as mãos. Mas o meu pai contava doutra maneira. Eu fui deixado por um lobo atrás de umas giestas, por cima das Lameiras, na serra, onde ele andava a cortar pedra. Ainda viu o lobo a escapar. Ouviu-me a chorar e trouxe-me para a minha mãe me criar. Não sei qual destas histórias é verdadeira, mas acredito nas duas.”

O autor faz uma breve passagem por todas as datas, social e religiosamente relevantes para a sua comunidade (S. Vicente da Beira), descrevendo sucintamente alguns dos costumes, tradições, cantigas, ladainhas associados. Em anexo, resume as receitas de alguns dos manjares típicos da sua aldeia - praticamente em tudo iguais aos que conhecemos aqui à beirinha da Baságueda - e acaba com um pequeno glossário de vocábulos da "fala" de S. Vicente - quase todos conhecidos e com o mesmo significado. Foi a consultá-lo que fiquei a saber que na “fala” do autor, apular significa: apanhar algo que vem de cima, que cai. Não sei se o termo faz parte da "fala" aqui na bacia da Baságueda, mas faz parte da ruralidade um pouco mais de volta, por isso, creio que pode legitimamente juntar-se à "nossa fala" e torná-la ainda mais rica.

10 comentários:

Anónimo disse...

EXCELENTE CRÍTICA!O texto do Dr. Teodoro é realmente de grande beleza. Ab.

Joaquim Baptista disse...

Palavras para quê?

Abraço

Joaquim Baptista

Anónimo disse...

Com semelhante significado só conheço, nas proximidades da Ribeira de Baságueda, o termo "aparar": apanhar algo que cai.

Bons textos, o comentado e o comentário.

Anónimo disse...

Quem chega recentemente ao blog basagueda depressa se dá conta que A face semiótica e a epistemológica das coisas é aqui prato forte . Falando em prato , há muito que não sai uma receitazinha da fertil imaginaçao de Chefe Changoto.

Anónimo disse...

Vamos lá ver; a gente tem que pensar... a precipitação é inimiga do reigor e a prevenção é inimiga do progresso. Sejamos então ponderados ( do latim pondus -ponderis (n)) que significa peso e mais que peso, o peso =(medida) certo.Reparemos (olhai logo para este termo: re+ paremos, o que justamente quer dizer que temos que parar duas vezes - é esse o significado do prefixo RE-. É que assimpodemos prestar mais atençaõ porque paramos e olhamos, tornamos a olhar e certificamo-nos.É assim o latim... que pena que para além de morto esteja quase enterrado...
bom, mas vamos ao que interessa: pular vem de PELLO -PELLIS PELLE(RE) PEPULLI PULSUM QUE SIGNIFICA FAZER FORÇA (veja-se impulso, repulsa,repelir...) ;pular em português é força para cima... ora o prévérbio (A) significa ausência, falta, carência,negação: a+nónimo -aquele que não tem nome -,isto para servir de exemplo, o que somando dois mais dois torna claro o sinónimo de apular: se não faz força para cima é porque cai e apula-se, ou como bem disse ingaço, mais acima, apara-se. Ora APARAR significa apenas segurar o movimento (ad+ parare).
Espero ter sido claro.Xi

Anónimo disse...

só quero acrescentar um grande abraço para o meu caro amigo Teodoro, esposa e filhos. Boa gente tem sempre lugar no Baságueda. Ele não sabe da referência mas eu vou dizer-lhe; vai ser mais um dos nossos. esperai troco.

Anónimo disse...

Ó changoto, bem podias ser mais PONDERADO de maneira a REPARARES nas gralhas. APARASTE?

Com ou sem gralhas, é um prazer ler-te.

Anónimo disse...

Acho que as gralhas do Changoto resultam do facto de a destreza dos seus dedos no teclado não conseguir acompanhar a rapidez do seu raciocínio. Será?

Anónimo disse...

jamais a destreza digital acompanhará a rapidez fluída do pensamento...

Pratitamem disse...

bem me parecia!