sexta-feira, julho 27, 2007

A NOSSA FALA XCII - AVEZADO

Os assuntos que nos despertam interesse dependem, como tudo, aliás, das circunstâncias. Excluindo desde logo aqueles que, consta, são próprios das damas – telenovelas, trapos, maridos, filhos -, continuando a excluir os que, consta, são mais habituais nos valetes mas que as circunstâncias não favorecem – o campeonato da bola está parado, a política está calma(!), as férias ainda não foram, restam-lhes (a eles) duas categorias de assuntos interessantes: as virtudes, qualidades, capacidades e atributos físicos das donzelas (repare-se que não caí no facilitismo de resumir tudo no termo “gajas”), e, os temas sérios.

Por via das tais circunstâncias, e porque sou cavalheiro (de género, não só mas também), o tema que me despertou interesse, e de que vos venho falar hoje, é dos sérios. Foi suscitado por uma história que adiante vos contarei e que me levou a revisitar alguns escritos arrumadinhos nas estantes da minha biblioteca, sobre a religiosidade (ora aí está: é ou não é um assunto sério?).

Parece que a religiosidade é incontornável em qualquer sociedade, seja ela simples ou complexa, constituindo a fonte original das normas em que assenta a ordem social, ou seja, retira-se dos estudos do francês Emile Durkheim, sem religião não haveria moral (normas), sem normas não haveria ordem, e isto seria um regabofe maior do que o que é. Se assim é, a sociedade, para conseguir a coesão e a ordem, precisa que os seus membros sejam religiosos e comunguem dos mesmos valores. Se assim é, a desordem é culpa dos não religiosos. Hum! Cheguei aqui sem querer, e não queria chegar.

Outro clássico, o nosso “camarada” proto-comunista Karl Marx, escreve que “a religião é o ópio do povo”, esclarecendo que é uma forma de alienação, porque as crenças religiosas levam à atribuição a entidades místicas, das capacidades e poderes que, na verdade, são dos homens. Esta, e outras ideias tão ou mais subversivas foram-lhe inspiradas pelos compatriotas Feuerbach e Hegel. Mas o Karl vai mais longe e tenta convencer que as crenças religiosas só servem para legitimar a posição de subordinação das classes dominadas, na medida em que pregam a aceitação resignada das condições de existência. As classes dominantes instrumentalizam a religião, a religião instrumentaliza as classes dominantes. Que as classes dominantes padeciam de uma perigosa falta de ética já nós sabiamos, agora a religião... Compreende-se que o Karl tenha avançado com a proposta de as classes dominadas se unirem para acabar com tanto pecado.

Outro prussiano, Max Weber, (re)encontrou outra “utilidade” no fenómeno religioso: factor de mudança da sociedade. Nos seus estudos sobre a influência da religião na vida social e económica, chegou à conclusão que ela não era necessariamente uma força conservadora, algumas - caso do protestantismo -, tiveram mesmo um impacto decisivo no desenvolvimento do capitalismo no Ocidente. Foi à conta da ânsia de serem ricos que alguns crentes fervorosos inventaram o capitalismo, todavia, o interessante é que o verdadeiro objectivo deles não era a posse de bens materiais mas a busca de um sinal do criador de que faziam parte do gupo de escolhidos com lugar reservado na lotação limitada do paraíso. Aqui sim, a religião como caminho para a felicidade dos homens.

Todos os citados concordam no papel dos rituais enquanto alimento espiritual e reforço da coesão comunitária, seja qual for a religião em questão. São conhecidos rituais vários, alguns deles manhosos e até macabros. Há um outro pormenor, curioso por sinal, que eles partilham: não eram crentes, nenhum deles. Mandam as leis universais do equilíbrio que a seguir, eu deveria visitar também o S. Tomás de Aquino, ou o S. Anselmo (Deus é o ser do qual não se pode pensar nada maior), o Ayatolah Khomeiny e, claro, Joseph Ratzinguer. Falhas graves na minha biblioteca.

Ah! Mas falta a história que suscitou o interesse por assunto tão sério. Já estais avezados, não é? Ei-la:

Zé Valquentem, morador em Monsanto, fizera uma promessa à Srª da Póvoa: ir a pé até ao santuário do Vale de Lobo com as mãos postas. O compromisso nascera numa noite de temporal, quando um raio lhe assou instantâneamente o porco que chafurdava na furda, paredes meias com o cubículo onde ele dormia. Na falta de santuário de Santa Bárbara, transferiu para a colega Srª da Póvoa o agradecimento por ter sobrevivido. A explicação do pormenor das mãos postas desconhece-se, mas deverá ter o mesmo significado de outros rituais manhosos como aquele do percurso de joelhos em Fátima.

Meteu-se Valquentem ao caminho bem cedo, com ideia de almoçar uma patanisca de bacalhau no sopé da serra d’Opa, todavia, passada que estava a Meimoa, já com vistas para o arraial sobreveio-lhe uma irritante cólica que o levou a optar pelo alívio das tripas, em detrimento do cumprimento da promessa. Vociferou impropérios ao caldo de feijão que tinha emborcado às 5 da manhã. No ano seguinte, partiu em jejum, para não dar argumentos a boicotes do corpo. O problema é que o nosso organismo não acompanha o fervor religioso do espírito. A bexiga pôs-se a recolher os líquidos todos do corpo e, ia ele a passar ao largo da terra dos Xendros, na Saramaga, parecia-lhe que ia rebentar. Prazeres Batórelhas ia de regador enfiado no antebraço a regar o alfobre quando se deparou com o Valquentem a maldizer a sua sorte com palavras nada consentâneas com a postura das mãos, a pontos de Prazeres ter de lhe chamar a atenção:
- Atão mas qu’arraio de reza é essa? Foi assim qu’o inxenéram a rezar?
A simplicidade aflitiva com que o Valquentem contou a sua história fez com que Prazeres compreendesse rapidamente o drama e logo ali se prontificou a ajudar o monsantino a não quebrar a promessa. Destemida, abre a portinhola das calças do Valquentem, encontra a abertura das ceroulas e as águas verteram abundantemente. Antes dos agradecimentos, o Valquentem ainda sentiu à vontade para pedir:
- Já agora, dê-lhe lá uma abanadela que também está avezado a ela.
Em jeito de bónus, ainda vos informo que dali nasceu namoro e casório e ambos são velhotes felizes, residentes ali mesmo por detrás da Matriz de Aldeia do Bispo.
Na circunstância, parece que o Max Weber era o que estava mais certo.

Aviso à navegação:
Eis-me rumo ao sul a iodar as nalgas. Torno antes do senhor S. Bartlameu.

5 comentários:

Anónimo disse...

Cum catrino, Karraio se passava, estava a ver quando e que botavas faladura! Muito bem, amigo Karraio.

Poi, e por via de finais felizes como o desta estoria, que eu sou um daqueles que tambem acham, que Deus escreve direito por linhas tortas. O primeiro sinal foi o raio e o trovao, depois a caganeira, por mor de Prazeres Batorelhas se ter atrasado no ja premeditado primeiro encontro, o depoi e por fim o facto de Ze Valquentem estar avezado a uma abanadela!

Acho curioso, digo eu, o seguinte detalhe:

Joao Paulo II ( Karol Wojtyla ) defendeu de forma intransigente a condenacao do aborto, do uso de contraceptivos, da ordenacao de mulheres e do casamento dos sacerdotes. No entanto V.exa, e os demais, sempre usaram a nomenclatura da ceita ou seja, sempre o trataram por Joao Paulo II, o que me parece revelar alguma participacao ritual. Melhor dizendo, so quem gosta de futebol, trata o Eusebio por pantera negra!
Mas entao tambem conhece a laranja mecanica. Pode na verdade, nao gostar dos holandeses e ai ja entendo porque e que o Bento qualquer coisa, sera sempre Joseph Ratzinguer, mesmo que se goste de jogar e ver futebol!

E preciso ter algum cuidado com as hiperboles!

Eu pessoalmente reconheco que Joao Paulo II marcou o seu tempo, mormente nao entender nem aceitar, as posicoes que tomou e que atras referi. Nao posso deixar de o admirar em certa medida, pelo seu percurso de vida e por alguns momentos historicos!
No que respeita ao Bento qualquer coisa, batatas, e batata parece-me uma expressao curiosamente interssante!

Quando souberes com que numero joga o Bento, diz-me qualquer coisa! O 2 nao e de certeza que os alemaes, sao fracotes a defender, gostam mais de jogar ao ataque!

Va atao, boas ferias e coitela com as toxinas do marisco!

Anónimo disse...

Certo, certo, é que Zé Vale Quem Tem quando andava na SARAMAGA e "arreparou" que um estorninho lhe rondava as videiras de Sta Maria- Tipo bastardinho... agarrou numa vara de varejo da azeitona, atou-lhe na ponta mais estreita um farrapo encarnado, espécie de opa dos acompanhantes de defunto com lanterna na ponta,... e enxotou o dito estorninho ,desde a dita Saramaga até à nora dos Mergres, no caminho das àguas~, ali mesmo a dar vis tas para a queijeita onde Chinchas

Anónimo disse...

rufilão, duma vez, assim mesmo ao calhas, atirou com um changoto a rasar a tona dos feijoeiros de vagem Frade e,... milagre dum corno - acerta com a ponta do changoto, mesmo em cheio no corpo de um espadachinho dos pequenos, assim, tipo tropa -gatos , deixandpo meio depenado... Fui eui e disse:No te avezes.: Podes passar o resto da vida a atira pau a espadacho - flecho dos pequenos - que nunca mais vais a estripar um como fizeste a este.
Chinchas bem tentoiu repetir a proeza mas ficou sempre com o pau embranco.
Não assim co Vale Quem Tem..-. encorreu oestorninho à pedrada e qdo lhe chamaram a atenção.... "é por mcausa do AVEZO"!

Anónimo disse...

Pois!... Com'é bué da fixe habituar, acostumar, avezar às cousas boas...se pudésse avezava-me às férias...abraço...boa preguiça e santa indolência para as férias...e bué da jolas, bujecas, jecas, canecas, girafas. etc

pratitamem disse...

Santa Maria o deixe entrar, onde antes não era permitido. Assim lá nos encontrar-nos-emos, nessa, já antes conhecida parceria, sim essa, a de todos termos informação, sim sobre todos estes que conhecemos, sim essa impressão!!!
Pode ser que anime os nossos velhotes...Sempre lhe acharam o dom da conversa...