domingo, maio 13, 2007

A NOSSA FALA - LXXXIV - ESCOUREIRO ou scorêro

Andei muito tempo para perceber donde raio vinha esta palavra... Isto porque o tal SCOREIRO tanto servia e serve para guardar as azeitonas de conserva, desde que não sejam muitas, pois aí usa-se a talha, como, e principalmente, para conservar o enchido (chouriços/as, morcelas, buchanhas - que saudades de uma boa buchanha! chamada pelos mais afoitos de ptchanha- (palavra esta que até custa a pronunciar mas que era mesmo assim!-) ) no azeite.
Acabei por concluir que esta pronúncia meio esquisita era uma adaptação sonora do significante AÇUCAREIRO, isto porque antigamente, nalgumas casas,- ainda vi- , o açúcar que era utilizado era a água da cozedura dos figos secos num caldeiro de lata e que depois serviam para aviandar o porco, de mistura com umas beldroegas, ou coisa assim, por môr de não lhes provocar alguma borreira, em tempo quente, e já meio cevado para a matança.
Coisa admirável sempre foram as técnicas de conservação: o sal, desde logo o mais barato, portanto o mais utilizado, - lá estava o belo presunto que se tirava agora em Maio, se punha de molho, se untava (barrava) de azeite com um molho de colorau, por mor da mosca, se encafuava numa saca branca de linho - não raro, aquelas mesmas onde vinha antigamente o enxofre em flor, a qual era lavada vezes sem conta, se virava do avesso, se colocava na boca uma fita de nastro e depois se pendurava, com o presunto, no forro da casa para secar) . Quando descia fazia-se a prova: um bom naco era cortado da peça, que voltava para a salgadeira - espécie de arcaz cheio de sal grosso onde o presunto coabitava com aquele excelente toucinho rosado, que até mesmo pessoas com fastio roíam, e também umas tiras de entremeada que eram o consolo do azeitoneiro em tempo da colheita da dita (azeitona)-. Ainda hoje me lembro desses raros paladares. E o mais é que a rapaziada não era gorda por aí além. ...Isto porque suavam assim comédado!. Reparemos que nos desertos o essencial continua a ser o sal. O sal é o oiro do deserto. A questão é que nós hoje queremos só ar condicionado. Não suamos. Bem me lembro eu de à noite tirar a camisa e se passado algum tempo a quisesse vestir outra vez tinha que partir o tecido, porque o salitre era tanto que ficava tesa. Assim mesmo: tesa: sustentava-se de pé sem qualquer apoio tal a quantidade de suor nela impregnado. Não é, portanto, por acaso, que os nossos mais idosos tenham o gosto salgado e que o grande defeito dos nossos enchidos seja o de ficarem salgados. Eles precisavam de sal. O seu equilíbrio homeostático requeria iodo e por isso salgavam a comida. Como não se poluíam com as bebidas que hoje nos invadem... ou bebiam água, ou vinho, ou aguardente, e trabalhavam de sol a sol, o sal era queimado pelo organismo. Hoje temos ar condicionado em todo o lado e vamos de carro para toda a parte, - não suamos e, portanto, não perdemos sal - em consequência, temos tensões elevadas, obesidade e outras coisas que tais. Remédio portanto é:SUAR! Só que para suar é preciso esforço...
Bom... mas o assunto era o SCORÊRO:
Dia de Sexta -Feira Santa à tardinha... Vinha eu todo suado, vou-me ao cântaro da água e emborco três copázios de esmalte do precioso líquido! Vou ao chafariz do batoco, trago dois caldeiros valentes de água, desço o balde adaptado a chuveiro feito pelo ti Zé Latas, encho-o, subo-o, abro a torneira e um banho/duche é, sem dúvida, um prazer inenarrável, mais a mais numa altura destas, em que eu vinha de tirar esterco dos currais a quarenta e três porcos- uma enormidade!
Quando desci, minha mãe:
«não tenho nada feito... não sabia a que horas vinhas!
" Não se rale! eu já me trato!
« olha que hoje é Sexta-Feira Santa... Não se pode comer carne... Abre ali uma lata de atum e coze uns ovos!»
" Isso tem muita mão de obra, eu estou com a galguéria e não me apetece atum nem esperar que os ovos cozam"!
« Vai ver ali à Rosa se lá há alguma coisa...»
"Vou mas é ao ESCOUREIRO e pesco um chouriço"..
« Olha, calha bem, boa ideia!»
Estava eu já refastelado a comer prazeiteiramente o meu chouriço, quando ela, assarapantada, entra por ali dentro:
«atão tu no vês que o chouriço é carne?»
" Este não, mãe! não vê que o PESQUEI com o anzol do garfo ali no escoureiro!"
«Rais ta partissem, damonho! Já está, já está!»
Lá me lambi com o chouricinho macio e se tinha sal não dei conta.Eram chouriços divinais aqueles: o unto escorria por entre os dedos e a gente lambia-se tal qual os gatos na sua higiene POST PRANDIUM! Já são raros chouriços com estes paladares. Ainda se encontram e se provam, mas só nas aldeias. VIVAM AS ALDEIAS!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Acabava eu de sair de casa, consoladinho, vinha o Tonho Arplano, já um pouco corcunda - os anos não perdoam - a resmungar. Não percebi o que dizia e meto-me:
- Ó ti Tonho, Karraio vai práí a ruminar?
- Então num queres lá saber que fui onte ao doutormédico e que ele me disse que eu tinha uma nascido aqui à entrada do meu cu?!
Eu sei do que foi... eu senti a picada...Fui a aviar a vida ali ao restolho do Cavalheiro, por baixo da figueira maranhoa e espetou-se-me aqui uma palha... Num liguei...Fiz uma torcida com a palha, alimpei as nalgas e ala! Passados uns tempos isto começou-me a doer e a minha lá me aqueceu um caldeirinho de água, lavei-me com sabão da borra do azeite, e fui-me a ver o que se passava porque eu bem apalpei alguma coisa que dantes lá num estava! Nem disse nada à minha... Quando cheguei à vila já ia desacorçoadinho de todo.
-E foi aí que ele lhe disse que tinha uma fístula à entrada do ânus!?
-Foi isso mesmo que ele me disse, mas eu num te vi lá! Como é que sabes?
-Olhe ! Eu cá se fosse a si tinha-lhe dito:" Vossa mercê, senhor doutor, há-de desculpar! Esse nascido num está à entrada do mê cu! está mas é à saída! Aqui num entra nada! só sai!
Rais ta partissem, garoto do diabo! Lá abalei, todo contente e o velho Arplano ficou-se a praguejar e a amaldiçoar a sua má sina!

11 comentários:

nabisk disse...

Gostei muito do texto, espectacular, só não sei o que é e nem nunca tinha ouvido falar em "buchanas"

Anónimo disse...

Exceptuando a palha no cu do Arplano, o resto do texto é de crescer água na boca: SCORÊRO, TCHOURIÇO, VINHO, AGUADENTE... TUDO DA(S) ALDEIA(S). PORRA!!! VIVAM AS ALDEIAS!!!!

Anónimo disse...

...continuando...ia-me esquecendo das morcelas, das buchanas , das azeitonas de conserva, presunto, figos secos, toucinho rosado, entremeada...e arremato eu agora: só faltou um queijinho de cabra picante e com um ESTRONDOSO cheirinho a chulé...e ainda há quem se drogue e fume daquelas coisas que fazem rir!

nabisk disse...

Porra! e ninguém me diz o que são as buchanas?

Anónimo disse...

As buchanas ou botchanas são um enchido parecido com as chouriças mas feitas de carnes moles e ensanguentadas. De resto, o tempero é o mesmo. Digo isto não por que saiba como se fazem mas porque já comi muitas vezes. É bom.

nabisk disse...

Muito obrigado maria.

Anónimo disse...

As buchanas derivadas de bacoro alimentado a vianda de figo seco até se comiam ( será que reabriu? ), mas em Bali tem um enchido a que chamam babecas, feito com carnes duras, temperado com picante de Java que depois é servido em rupias,tambem não é mau. Karraio, Changoto, Lapaxeiro e todas as boas almas deste cantinho Beirão, sinto muitas saudades vossas e esta oportunidade foi melhor que champanhe e caviar, mesmo com babecas pra sobremesa. Espero voltar em breve, Beijinhos e Abraços. " até me vão dar arrepios a escrever o meu nickname"

Anónimo disse...

Por referência ao post anterior, e visto que o nosso pratitamem está de volta (em boa hora), queria pedir-lhe que nos ensinasse outras falas.

Anónimo disse...

Obrigado Barak, Maria Faia Aliás deveria começar por diák á lai, mas ainda vai a tempo. Então agora és a Maria Faia, podia dar-te pra pior amiga do coração. Tá tudo bem. Já mudaste a cor do cabelo pra preto escuro ou não? Na minha modesta opinião fica-te melhor, és mais tu. As feras que por ai proliferam entre as 09.00 e as 17.30 ainda ladram muito e mordem pouco, ou já andam na fase de só latir. Os Americanos já andam ai ou não? ETC. ETC. Beijinhos, mantem essa dureza feminina tipo médica do Espaço 1999 e fico á espera de novidades, vátão.

Anónimo disse...

Aldeia do Bispo, 31 de Maio de 2007

Amigo Pratitamem,

Espero que te encontres bem de saúde na companhia de quem mais desejares. Nós por cá ficamos todos bem, com a graça de Deus. Perguntas-me pelos cães. Pois bem, tenho a dizer-te que no que toca aos animais caninos da nossa terra, tudo continua na mesma. Mas os cães ladram e a caravana passa...
Quanto aos americanos..nem vê-los. Mas isto também não é o Iraque (felizmente).
Em relação à cor do cabelo, não é a do regime; é um misto de laranja com castanho. Tendências da moda? Talvez.
E por hoje não tenho mais nada a acrescentar. Desejo-te boa estadia e aguardo notícias.
Cumprimentos da amiga,

Maria Faia

Anónimo disse...

Preto escuro é só a minha opinião sobre o teu cabelo esse que tens que ver ao espelho todos os dias Sinhora. O regime tem cor? Há regime em Portugal? Ainda há paises no mundo com regime? Será na Republica Dominicana, esse regime tipo Laranja com castanho?
Nada como realmente, é bom sentir, que tudo ai funciona, como é suposto. Obrigado Barak, pelo comentário, na verdade aqui, pra mim, vale por vinte, bem Hajas, na verdade e afinal sempre és a amiga do coração. Assumindo o preconceito que preocupe de alguma forma muita gente, no nosso país, não posso apagar o facto de seres de forma simples, ou simplesmente, a minha melhor amiga.