segunda-feira, junho 19, 2006

A NOSSA FALA - LIX - AZADO OU AZADINHO

Comecemos pela fonética e pela grafia: leia-se ÁZÁDO ( os A abertos) e não confundir com asado. Este é um cântaro de barro onde as famílias refrigeravam a água que as mães iam buscar à fonte : (quem não se lembra:«que é que é que vai deitado e vem em pé»? ou « o que é que tanta vez vai à fonte até que lá deixa a asa?). Nada disso com o nosso ázádo.
Trago-vos hoje aqui duas figuras, entretanto desaparecidas do mundo dos vivos, que, por certo, alguns ainda lembrarão e outros, eventualmente a maioria, nunca sequer ouviu falar.
Em tempos, numa conferência memorável, ouvi que "é preciso desarmar a história". De facto, o estudo da história quase se limita a reis e heróis em guerras e batalhas. Por mero acaso lá se referem poetas e outros escritores, alguns engenheiros, arquitectos ou doutores, raramente professores, poucos padres e doutras profissões contam-se pelos dedos de uma só mão: por exemplo o Bandarra, ou o zé do telhado. O povo, esse só aparece como patuléia = pata ao léu = pé descalço nas guerras constitucionais. Vamos desarmar, pois a história. Honra aos ignotos deste país e mais ainda aos xendros que se vão na ' bruma da memória ' .
Vou trazer-vos dois AZADOS, dois Mnés Chquins: o Carreiras e o Chéte.
O Mné Chquim Carreiras era muito azado: dava explicações privadas numa casa com primeiro andar na esquina do início da rua do cavacal a fazer esquina com o beco do Bento, do Furdas e da Libra, pegada em tempos com a casa da minha bisavó Rosa que morreu no mesmo dia em que lhe nascia a terceira bisneta. Ainda por cima a 29 de Fevereiro. Coisas do dianho!
Foi o Mné Chquim Carreiras professor privado de muito boa gente que ali se começou a tornar pessoa: bancário, professor, solicitador, até juíz e muitas outras profissões. Quem não tivesse dinheiro para pagar o pouco que cobrava, bastava que permanecesse nas redondezas com pedra e ponteiro e registasse o que ele pregava. Assim mesmo: a sua voz tonitroante ouvia-se bem aí a uns bons 50 metros da casa. Os que erravam algum exercício eram tratados acima de BESTA, BURRO AO QUADRADO, CAVALGADURA, ALIMÁRIA, CAMELO e outros epítetos que por não poderem ser ditos se devem calar como queria L. Wittgenstein: «o que não pode ser dito, cale-se.» MAINADA.
Mas o Mné Chquim Carreiras era ainda bem AZADO para outro mister: cantava divinamente. Digo bem:DIVINAMENTE. Fui dos poucos que tive o privilégio de (poucas vezes, porque lá em casa, a hora de levantar era por volta das seis ou antes, sobretudo neste tempo de Verão), tive o privilégio, dizia, de acordar ao som daquela voz de timbre raríssimo, clara, sem artifícios e poderosa como poucas que tenho ouvido. Uma pena que nunca se tenha registado aquele som. Está registado no meu ouvido. Um encanto! Então para o fado de Coimbra, ainda está para nascer quem eu conheça ao vivo quem o cantasse melhor...E sem acompanhamento! Não desafinava e a temporização era a adequada. Encantador, só vos digo.
Não era muito bem visto porque era um tanto anticlerical (ao fim tornou-se devoto confesso e praticante) e dizia que não ia ao funeral de ninguém porque o morto não lhe poderia retribuir o gesto quando ele morresse. De facto, foram poucos os que o acompanharam até à "Quinta das Tabuletas".
O outro AZADO é o nosso Né Quim (Chéte) : uma bomba de trabalho e muito azado para arranjar e pôr cabos em podoas, enxadas, ancinhos, foices, martelos, sachos, pás, picaretas, arranjar fueiros para os carros de vacas e carroças, alinhar hortas, demarcar veredas, e também para fazer um petisco com pouca coisa. Sabia fazer render o que tivesse. Sempre na panelinha de ferro. Duma vez o vi eu fazer uma perdiz que tinha agarrado lá para os lados dos pinheiros:
põe um bocado de toucinho do presunto no fundo da panelinha, quando estava a corar tirou-o e meteu a bem dizer uma cabeça de alho com um pouco de azeite e uma cebola mal cortada em quartos sem desunir, deitou as tripas da perdiz dentro duma meia para o molho, ia virando com a colher de pau, retirou a meia com as tripas aí ao fim duns cinco minutos, deitou a perdiz inteira (depenada, é claro) e duas folhas de louro.Tapou. Foi-se à adega, mais propriamente ao pipo que apenas estava separado de nós por um cortinado de chita da tabela pendurado por um baraço corredio, trouxe uma cafeteira cheia de vinho, provamos, voltou a mexer a perdiz, foi-se ao asado e tirou meio copo de alumínio de água que deitou na panelinha para"assustar"-disse- .
Raspa umas batatinhas novas miúdas deita-as para a panelinha com duas malaguetas do vinagre e mexe outra vez, salga, espera um pouco e prova. Verte um bom meio quartilho, talvez passar, de vinho, tira da cantareira um prato grande de "resmalde"=(esmalte).
Com a toalha a servir de pega despeja a panelinha no prato, traz um garfo para cada um e um copo que mais parecia um almude, parte duas fatias de ganhão dum pão enorme que mais parecia uma roda de carro e :"senta-te e come." Que remédio!
Um pitéu. Era assim o Chéte. Trabalhador incansável e amigo do vinho mais que o diabo de almas em pecado. Solteirão...
Só que um dia...
Um dia uma Solipa que enviuvara em França e que, por mor de não perder a pensão de viuvez, não se podia voltar a casar, deu a volta ao Chéte, lavou-lhe a roupinha, mudou-lhe a enxerga com palha centeia nova, comprou duas almofadas e um travesseiro de barbas de milho ao trindade de Caria, mudou os cobertores mais negros que borra de azeite e pôs lençóis de linho na cama de ferro, varreu a lage comédado, substituiu as sertãs enferrujadas por frigideiras asseadas, forrou as cantareiras com plástico verde com motivos amarelos, areou os cacos de barro, avinhou uma panela de ferro nova e...deitou-se com o Chéte.
A Aldeia acorda estupefacta: às seis e meia da manhão nosso Né Quim, tão Azado, ainda meio desasado, da bebedeira da véspera, aparece àquilo da D. Zezinha a gritar: «Ê (=eu) agóa (=agora) tamém já,Oh!Oh!, Ê agóa tamem já,oh!oh!, ê agóa tamém já,oh!oh!
E foi assim a primeira do nosso AZADO Né Quim Chéte.
Fazei-vos AZADOS para o que quer que seja.
Um XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII!

12 comentários:

Anónimo disse...

Esse pequeno esforço, de quem diz, eu conheco a realidade, não apenas o passado. Resulta em minha opinião numa verdade quase absoluta. 16 valores. Só falta o cheiro, que durante a semana não é tão intenso, logo muito mais mesquinho e desonesto porventura. Mas certamente tambem mais puro menos condicionado. Logo as presencas virtuais, do presente, tem pra mim esse sentimento que cada um sente á sua medida, ou que cada um discute como sabe e pode. Com, a certeza porem de que ao vivo de forma permanente, no minimo seria diferente.

Anónimo disse...

Sou candidato ao abandono tambem não permanente, por opção ( "Chamaime" o que "CREIS" ), mas enquanto aqui estou tenho que tentar ser "Cuerente" em relação a este abandono. tenho esperança de ir e de que outros assim tornem. E esperança de tambem ser falado por isso. ( pela falta ) È preciso ter esperança no futuro.

Anónimo disse...

mainada e quem assim fala... não é gago, mas feito de molezas, não estandes abandonados quem espera sempre descança e alçança.

Anónimo disse...

Estes relatos, de figuras e locais da nossa aldeia que em muitos casos já não existem, até me fazem sentir alguma nostalgia em relação a algo que nem sequer conheci e que se calhar até aconteceu antes de eu nascer. Quando leio as estórias do Changoto até me parece que se trata de outra Aldeia que não a do Bispo. Talvez para a maioria dos xendros, as figuras que nos são apresentadas nada tiveram ou têem de especial. A verdade é que tudo depende do olhar de cada um e da sua capacidade de destacar o que de mais peculiar há em cada pessoa. Mesmo conhecendo alguns dos protagonistas das histórias que aqui tenho lido, nunca os tinha visto sob os prismas aqui realçados.
Saudade é a "lembrança triste e suave de pessoas ou coisas distantes ou extintas, acompanhada do desejo de as tornar a ver ou a possuir". A verdade é que, sem nunca ter conhecido muitas das pesonagens que o Karraio e o Changoto nos têm apresentado ao longo do último ano e tal, sinto uma grande saudade delas.

Anónimo disse...

Bem hajas, amigo Lapaxeiro estava com saudades, não de ti que não vejo vai pra um ano, se bem me lembro á volta desse tempo que não vai um passoubem, agora seguido daquela palmada nas costas, tão mal entendida, pelo mau uso que os filhas da puta lhe deram, mas que eu sempre vou usar como complemento, prós amigos do meu coração. Vejo aqui um stress, quem é que usou essa palmadita? Pratitamem Lapaxeiro Changoto Karraio? Ná! Impossivel, então vá lá escrevam digam o que vos vai na Alma! Ler é bom, mas corram o risco digam. Nós não fazemos doer.

Anónimo disse...

Tambem comprei essa colecção da Visão, de DVD`S. Agora esse conhecimento da Historia de que eu falava e esse, gosto, que tenho, nem tu nem qualquer pseu. Amigo Lapax.

Anónimo disse...

Isso, vamos intupir, por via da Entrada, essa suave` levesa de ar fresco que nos veio da Amiga Noltágica. É negativo. Não se pode assim com a nossa absoluta treta, Contaminar tão empenhado e muito bom, verdade muito verdadeiro e bom com. Pesso que paçe por este tapete que leva a cor que quizer, mas descançe um pouco e beba um chá conosoutros.

Anónimo disse...

Não tenho que fazer memória, nem nada pra continuar a ser teu aluno. È preciso desarmar a história. Aquele momento no café da ti Rosa ( Digo )? não recordo o local, recordo a frase, tanto como recordo o meu nome e aquilo que que me faz como já disse, ver ao espelho, mais a minha mãe a dizer pra não fumar, e eu a pensar aquela marca Paris já não há! Bem na verdade só queria dizer ao Changoto que ele me Obriga a falar e isso eu acho que é bom. Pois na verdade fico quaze com vontade de cá estar, mormente o dia que cá só ao fim de semana infelismente cada vez menos com os amigos, que são a nossa vida. Pois é Viver não me parece assim tão "dificil", ser feliz durante a nossa vida já me parece ser um pouco mais complicado!

Anónimo disse...

Cangoto, sempre pra mim. Entre aqueles que não sabem se nasceram antes! Ou se depois conhecem de forma surpeendente, tudo e tudo, como se de repente a bensão "caisse" sobre a sua modéstia abensoada por deus. Não tenho mesmo tempo. Fico com maus figados e isso não pode ser nunca.

Anónimo disse...

Queres fugir comigo, pro estrangeiro, só escolhes o pais tens duas opções Holanda ou Suiça, com passaporte electronico, admito USA. Tambem tens trés opções. Fico á espera...

Anónimo disse...

Um OK pro entrapacheco, do coração. Só tenho pena que tenhas que viver numa República Islamica. Merecias, viver plo menos na Europa, pra não dizer, na Europa.

Anónimo disse...

Isto, como uma vez li do sábio Changoto, dá-me a volta ao "toutiço", presumo que era assim. Atão quereis a "burca", ou levais na corneta? Normalmente quando se leva na cara e deixa marca, a burca fica bem.Digo eu.Agora se não deixa marca devias poder falar. Digo eu. Quero l´saber. Tu já pertences a outro mundo, já não és da galé! Nunca fostes da galé eu sei. Toda a gente sabe, sorte a tua. Mas e as que vivem na galé, naõ é assunto teu. parece que não. Tá certo. Peço desculpa. Conheco um puto que ando por ai, só lhe falta crescer. Eu é que sei.