sexta-feira, dezembro 09, 2005

A NOSSA FALA XXXVIII - F(E)CÁ !

Júlio Aspirante ou também Julho Casqueiro, levantava-se à hora de almoço. Quando os outros vinham para casa almoçar, estava Julho a chegar a parelha de burros ao carro, sempre armado de fueiros. Nazaré, sua mulher, andava sempre a duzentos à hora e, se não trazia o cântaro da água à cabeça, certo e sabido que na molídia pousava um caldeiro para o qual apanhava à mão todos os cagalhões de burro que ficassen caídos na estrada:'que eram para os alfobres,'dizia. Duma vez tinham dois porcos a criar. Um era o da matança da casa e outro queriam vendê-lo. Assim, num segundo Sábado de Dezembro - faz agora anos - por esse meio-dia, Nazaré, à frente, com caldeirinho de lata com meia dúzia de grãos de milho e 10 bolotas e Júlio atrás do porquinho, preso com um baraço a uma pata traseira, de giesta na mão - a qual acenava para orientar a caminhada do porco para um lado ou para outro - saem do portão do quintal para ir à lameira tentar vender a nalguda.
Arranca Nazaré abanando o caldeirinho para meter barulho com o milho e com as bolotas: Fcá!,Fcá! Fcá! . E Julho :" rais a palissem, anda lá bonita, anda nalguda! e a porca: "Ronron,ronronronron", bem, uma orquestra afinada. Fcá,fcá,fcá, nalgudanalgudanalguda, ronc,ronc ronc: experimentai fazer tudo ao mesmo tempo e vereis a beleza da orquestração.
O animal sai bem e abanando a nalga lá ia estrada abaixo... Nisto, à curva do adro, aparece a camioneta da carreira (é a camioneta, não é o Toni Carreira) e, como é sabido, na aldeia, apesar de ser aquela que de todo o concelho mais largos tem, o povo está sempre no meio da estrada, a camioneta buzina com toda a força, que o sr. Fernando não era de modos, e "filha da puta! "grita Casqueiro ao ver a porca passar-lhe ao lado assustada com o som da buzina. Julho puxa o baraço mas o cordel rebentou. Nazaré, aflita, corre para a frente da porca e, ao querer fazer mais barulho com os ingredientes do caldeiro, aventou-os e a porca foi rapar para a valeta um resto de erva, mas já ia quase àquilo do velho argentino onde é agora o Branquinho. Julho vai por outro nagalho, Nazaré apanha as bolotas e os bagos do milho e o povo, solidário, habituado que está a estas peripécias, abre os braços e vai enxotando a porca para baixo outra vez na direcção da lameira. Nazaré e Julho praguejam à porfia e com uma cordita de nylon lá vai ele tentar laçar a pata da nalguda.
É preciso dizer que não indo os dois com fato de ver a Deus, enfim, lá levavam uma roupita mais coisa e tal, que sempre iam ao mercado, não é verdade?
A custo Nazaré põe o caldeirinho com a bolota na frente do focinho da nalguda e Julho lá consegue de novo atar a baraça à pata da porca.
Entre praguejos e comentários: «vá lá, vá lá, mesmo assim o homem teve sorte. A porca era mansa! vá lá,vá lá!» ...É neste entrementes que a porca unta o fatinho de Julho Aspirante: " só me faltava mais esta! puta da porca agora cagou-me a farda! raispartamnodiabo! Nazaré ficou para morrer:« já passa da uma e nós aqui. Ainda por cima agora o meu Julho tem que ir mudar de farda. Atão mas há-de vestir o quê? O que está na arca está tudo amarfanhado e outra roupa capaz não tem!» Raisparatamnodiabo! Lá vai ficar a porca mais um mês na furda.»
Nosso Fernando tinha acabado de cortar o cabelo ao chicó-rela e deita os olhos à porca: " eh! Nazarée! nem penses ir a vender a porca hoje ao mercado:« À uma já vais tarde, e à outra ela está barronda. Ninguém ta quer assim. » Nazaré pôs-se logo a fazer contas: " o nosso mercado de Janeiro calha cedo, vá lá vá lá! assim não passam as quatro luas para estar barronda outra vez". Vai logo Nosso Mnel: "porque é que a não chegas? Lévasa ali ao barraco do jaimelgas e aquilo é um instante! Sempre fazes algum com ela. O que está a pedir é mesmo um salto do barraco do Jaimelgas. É mau filho de puta: o gajo chega ao cimo das giestas e chama-o: barraco!barraco! no sei donde é que o cabrão aparece, mas logo se chega a nós a roncar. oh filho do diabo! a porca no sou eu!vai-te lá encostar a quem te fez as orelhas.´Digo-to eu, é mau filho de puta o barraco do jaimelgas. Leva cinquenta paus pelo salto mas aquilo vale a pena. Não falha e se falhar para o mês que vem tornas lá, o porco goza e não pagas nada ao jaimelgas. " E a Nazaré chorosa: "e onde é que tenho os cinquenta mil réis. Ia agora a vender a porquinha para poder comprar a farinha para amassar uns pãezinhos que nem isso há em casa pr'os meus garotos."
Aí é que ninguém apareceu para ajudar a Nazaré e mais o Julho!
Lá voltam, Nazaré , julho e a nalguda para a furda. Tocam de pôr os burros ao carro e, mesmo sem almoço, lá se vão para a Tapada, ele de vara à frente do carro e ela de caldeirinho à cabeça para ir apanhando os cagalhões de burro que fosse encontrando pelo caminho. Haveriam de trazer umas couvitas, cozê-las com um naco de toucinho do porco do ano anterior, comê-las sem pão e sem luz que não fosse a que emanava de dois toros de videira que tinham trazido e toca para a cama que debaixo das mantas está-se quente e poupa-se lenha. Os filhos ficavam ali um pouco mais até ao esmorecer completo da brasa. Depois, cama também, que descer até à Rosa só lhes traria mais frio e outro lume depois não tinham.
Eram outros natais!
Já não há F(e)cás nas aldeias, daqueles criados a vianda. Há uns suínos engordados à pressa na maioria dos casos.
Outros tempos!
Já não há Nazarés de caldeirinho com dez bolotas a meter barulho e a fazer ouvir o F(e)cá!,F(e)cá!, nem há Julhos com parelha de burros. Agora há tractores e rautau-taus, !
Outras paisagens!
Ficam-se as lembranças. É isto a eternidade. As coisas perduram enquanto as lembrarmos. A vida é a relembrança. A rememoração. Os filhos lembram os pais e estes os avós. É isto a eternidade. Não é o céu, nem o inferno nem nada. É apenas a memorização. Apenas!

4 comentários:

Anónimo disse...

Depois desta conversa, fica apenas isso o nosso sentido, a nossa vontade de ir lá onde! Neste periodo, Au onde, Vinte Mil Leguas Submaniras, sem assento, vinte mil quilometros luz, ou, o resto, do tempo, que, nós temos, para
sentir nos nossos ossos ás vezes, esse descanço, para sentir esta musica ou outra, que nos diga, não quero que chores, quero que recordes, faz favor, tenho orgulho em ti.

Anónimo disse...

Como sempre o sentido de humor, do Lapaxeiro, supera, logo fica tudo dito. Em qualquer caso eu senti, que devia voltar, ainda hoje, porque, sim. Ou seja o assunto é grave, mas como não quero cair, no meu erro abitual, de ser "ostriçado" como Pessoa, fico neste coment´
ario sereno de que o dia da Indepen. Fez com que eu hoje com 38 anos não seja membro activo de nenhum, Anti Inter, Café com sede no nosso conçelho. Pois hoje em dia repete-se a piada ai se fosse-mos espanhois. Pois aí! se não fossemos inteligentes, só sabiamos falar, casatelhano, só sabiamos dizer Saudade em Françês, e isso o "homem" de São Pedro de Rio Seco, ñão ia gostar?
Mas como eu sou eu, e isso é terrivel, mas é um facto. Não me gabo mas rejubilo, ou seja sou livre e isso devesse sobretudo ao facto de ser PORTUGUES. Sem assentos, Tenho um orgulho enorme de ser portuga.

Anónimo disse...

Tudo é verdade, quando não se pode mudar. E ele há coisas que assim são. O meu nariz é suposto de mudança, eu próprio, eventualmente, agora o olhar de alguém, que nunca se gravou, as palavras que nunca quizemos traduzir, ficam sempre como o nosso grande segredo, que só nós sabemos consumir. È neste momento e só neste em que eu também penso, nos espanhóis.

Anónimo disse...

Porra, só agora "clicei" no Néto do meu avó Caldereiro. Só agora fiquei a saber que tenho descendentes Dr. Ó Tiago sabias? ás tantas não és o único da familia com Mestrado? Mas bem o Ricardo é só Doutor e vive em Èvora será? Ná ele é do bloco.
Mudando de assunto, sou obrigado a ire ao meu com. anterior, acabei de ver os olhyos de D.João IV, sinto, que a minha vida
se aì cambiádo. Nunca mais quero ter saudades da musica a "Taurada" que os manos cantavam, agora vou-me centrar naquele solo de "cravo" "toucado" pela Princesa de Arraiolos, sobre o dia da Independencia.^ Mais Feliz não posso est
ár. Ainda bem que Espanha também tem "Ilhas"! (eu tinha que dizer isto).