Antonho Batcharel foi parido no local do mesmo nome, com a ajuda da avó materna, a velha Emília Passarona, numa manhã solarenga de Abril, o primeiro de 5. Os primeiros sapatos calçou-os no dia em que fez 6 anos, as primeiras meias que enfiou foram as que o Menino Jesus lhe deixou na chaminé no Natal desse ano, e experimentou as primeiras cuecas já com 10. Passava os invernos com ranho constante no nariz e quando a mãe lhe ralhava "rais trinta ta partam Antonho, assoa-te mê bácoro", ele lá removia a pasta com a cota da mão que a seguir limpava ao cu das calças. Comia quando calhava. Quando lhe dava a fome, ia-se à panela de ferro que sempre estava junto ao lume e enchia o bandulho de couves, batatas e feijão. A partir dos 7 anos, bastas vezes escolheu sopinhas de cavalo cansado para o pequeno almoço. Por lá, variava entre a fruta da época que colectava directamente das árvores que encontrava nas andanças do pastoreio, e na sacola levava sempre um naco de pão rijo, queijo pedra, toucinho rançoso e azeitonas, raras vezes chouriça do ano anterior guardada no azeite. Nunca se sentou em carteira de escola, nunca pegou em aparo, nunca esfregou a pedra com cuspo, nunca aprendeu nem letras nem números. Até aos 15 anos, calcorreou a atalaia, o frade, a portela, a pedreira, a raivosa, o ferrador, atrás de 4 dúzias de cabritas . Ficou mudo e com cara de espantado o senhor alto e bem vestido que um dia se apeou dum grande carro preto e barulhento e lhe perguntou com ar sorridente:
- Ó rapazinho! Diz-me lá, então quantas cabras guardas tu?
- Ê no sei contar mê senhor – lamentou-se Antonho.
- Não sabes contar? Então como é que vês se te falta alguma cabra?
- Atão…ê conheço-as…
Chamava todos os animais pelo seu nome, e eles acudiam. A andorinha porque era preta com uma lista branca na nuca, a reboluda porque quando nasceu deu logo meia volta no chão, a peidada porque a mãe dava muitos dos implícitos, a aluada porque nasceu na lua cheia, o santinho porque fazia uns ruídos parecidos com espirros, o marradinhas porque desde cedo o habituou a dar-lhe marradas nas mãos, o tchoutchinho porque tinha uns olhos mortiços e parecia que andava sempre cansado, o intezédo porque desde cedo mostrou que ele é que havia de ser o bode mor, o barbicha, a malhada, a jinja, a peluda, a preta, a violeta, a estrela, a vitória, a esperta, a felosa. Quase todos os animais vinham comer-lhe à mão e as cabras deixavam que ele lhes chupasse nas tetas quando elas tinham amojo e ele fome. Era um menino feliz, o Antonho.
Todos os domingos ia à missa à aldeia, regressando ao fim da tarde carregado com as compras para toda a semana. Aos dezasseis anos o pai meteu-o a aprendiz de latoeiro na aldeia, mas deu-se mal porque o velho Tzé Latas o obrigava a estar todo o dia sentado a bater lata e a pôr pingos de estanho. Voltou para o batcharel e para as suas cabrinhas.
Todo o seu mundo se situava geograficamente entre a aldeia e o batcharel. Do lado de lá e do lado de cá, o desconhecido e admirável mundo novo. Tirando as 3 ou 4 vezes que foi à vila e às festas das Aranhas, saiu pela primeira vez da aldeia para ir às sortes a Coimbra, onde aproveitou para se fazer homem num quarto escuro e feio na rua direita que era torta como um changoto mal azado. Ficou apurado o mancebo e no ano seguinte apresentava-se no quartel de Elvas numa manhã de Outono, fria e chuvosa.
Antonho do batcharel não gostava da tropa, nem entendia porque o obrigavam a andar toda a manhã e toda a tarde a bater com as botas no alcatrão da parada. Vá lá! Ao menos as botas eram boas. A rigidez e a disciplina militar não jogavam com ele, habituado aos espaços abertos e arejados do batcharel, às vistas largas da atalaia, à liberdade de movimentos com as suas cabras. Por isso andava sempre muito THOUTCHO, isolava-se a pensar, nostálgico, no seu primitivo mundo, nos pais, nas suas cabrinhas, no burro pardal, na burra cotovia, nos cães piloto, bóbi e boneca, até nos irmãos que tanto teve de aturar e ajudar a criar. Um dia, estavam cumpridos dois meses de recruta, amuou. Não falou com ninguém durante uma semana inteirinha. Quando saiu do retiro decidiu dar inculcas. Pediu ao camarada d’armas Sabarigo, de alcunha o “gaspacho”, um autêntico torgalho que a todas as refeições gabava o gaspacho da avó de Barrancos, para escrever:
" Meus queridos pais e irmãos, estimo que estejam de boa saúde que eu cá vou como Deus quer. Então como está a burranca, já está melhor da pata? E a cocó já tirou os pitos? Meu pai, não se esqueça de dar o remédio à andorinha, porque ela está prenha. O porco era melhor matarmos no ano novo que eu não posso lá ir antes. Isto aqui na tropa não é bom porque ninguém trabalha. E o pior é fazerem-nos estar à torreira do sol e à chuva, só por estarmos. Dão-nos de comer às horas, mas a comida não presta. Quem me cá dera o caldo de grão e a molareja que a minha mãe faz. Não tenho mais nada para dizer. Saudades do vosso filho.”
Fechado e selado o envelope:
- Vá! Agora vais a meter a carta no marco do correio ali ao pé da porta d’armas.
No momento, vinha a entrar o Musgueira, seu vizinho na camarata, que o alertou:
- Então não dizes para onde a carta vai? Tens de falar alto para o marco saber para que terra é que tu queres mandar a carta.
- Aldeia do Bispo – gritou ele junto à abertura.
Uma das únicas vezes que se ouviu Antonho a rir foi quando o Musgueira, no escuro, lhe perguntou:
- Olha lá ó bimbo, alguma vez viste um peido luminoso?
O Musgueira estava deitado de costas, tirou as ceroulas, levantou as pernas para o ar, apichou um fósforo e chegou-o ao ânus, ao mesmo tempo que largava um ruidoso e prolongado flátulo. Antonho observou estupefacto a chama azulada que soprou das tripas do camarada.
Na ordem unida sentia muitas dificuldades em bater certo o pé e por causa dessa inabilidade, mandavam-no “encher” todos os dias. Finda a recruta, mal teve tempo de ir a casa despedir-se do seu mundo, mandado embarcar para a Guiné para, disseram-lhe aos berros, ir defender o nosso glorioso Portugal e matar os cabrões dos turras. Não conseguiu evitar uma lágrima quando deu a curva no caminho e deixou de ver a família toda que ficou a acenar. Uma só lágrima, contida, só uma, porque Antonho não podia saber que nunca mais voltaria ao Batcharel: na longínqua Guiné, uma mina terreste havia de o transformar em herói anónimo e inglório.
18 comentários:
Os meus horários profissionais, dão-me esta possibilidade porventura perversa, de ser o primeiro no entanto...
Bem dizias que seria um texto triste Karraio. Eu chamar-lhe-ia uma comédia romântica com um fim triste. Mas é também um despertar para a nossa memória colectiva, um lembrete para quem tem memória curta e apenas um breve episódio desse sombrio passado recente, que os mais novos deverão aprender a memorizar.
Não se vive do passado. Mas a memória é a alma das gentes.
Apraz-me mais uma vez constatar a qualidade dos textos, ainda que o tema seja mais lúgubre e a descrição mais sentimental. A verdade é que também gostei deste registo mais sério, menos galhofeiro, tchoutcho sem ser tchoutcho. A história do menino triste. Eu é que fiquei tchoutcha.
Mas na vida nem tudo são alegrias e risos. E se neste blog se vêem contando estórias da vida (da aldeia), então também haverá lugar para episódios menos brejeiros.
Ó pratitamem, saberás tu dizer-me onde pára a malta? Será da chuva?
Quando vi a palavra "tchoutcho" até pensei que o Karraio se estava a referir aquele que é actualmente a personagem mais caricata (depois do desaparecimento do tônho da aldeia) lá da terra: o "tramoço".
É que para além de ser apelidado por tal alcunha, muitas vezes lhe chamam de "tchoutcho"...Mal sabe ele que eu ando para aqui a falar no nome dele...e logo ele que teima em ser o Presidente da Junta e não dispensa uma crava diária de um tintinho de penalti lá na tasca da ti rosa.
Se ele me ouve tenho de correr à frente dele, acreditem!
Gostei do texto, mas fiquei um pouco triste e pronto !
Bem me queria parecer que o bostik se tinha colado ao lapaxeiro.
O bom filho a casa torna!
Isto está a ficar 5 estrelas, respirem fundo, temos que aguentar o ritmo.
Não sei onde andam Angarela, mas com a chuva de Outono vem os "tratulhos" que eu adoro. Eles voltam como o bom filho. Mas se por cada dois a sair entrar um como tu, não há razão para alarme. Um OK pra ti do pratitamem.
Karraio, ninguem te moi, ès na minha prespectiva, uma rapariga com saude, esperta, inteligente bué, n~ºao vais ás provas, falas-te, com o primo Tiago, de borla, toda a gente te Adora. Essa é que é essa. Pra mim és tipo alma residente, cota á parte neste contexto.
Lembras-te do convite, és do ps, resposta, sim mas estás a falar da JS, já fui já, mas sou cota agora, "vou a um convivio de juventude? só como orador "Principal" claro, menti disse que ia e não fui. Alguem me tira o meu partido do corpo tipo diabo? só se for a minha cunhada, "isa" PS/Bloco/Puresa/Liberdade/Alentejana. A Manela, deve estar farta de ouvir versões terriveis sobre o assunto, eu já vendi 2000, todas iguais, apanhamos o autocarro, pagamos bilhete, e com a inocência, de duas pessoas que se adoram e tem valores muito iguais, passam a ser da JS, em miados dos anos 80. Isso hoje pode soar mal, pode ser uma piada, cada vez mais uma treta, mas já não somos putos, ou bacanas sem valores, somos pessoas que vivem este pais com saber, não somos pessoas com responsabilidade, que estudaram nos "GAME", sabemos separar o trigo do milho. Se eu tivesse aqui o pombo, o fabricio, o meu irmão, como moderador, se necessário e em último caso, a Aida, o eusébio, o henrique, o licas, para "discutir", se faze-mos os melhores teatros de que HÀ memoria. Ou não? era giro toda a gente ria, lembro o Parôco, e esse final de infancia, o paroco nada ligava. Antes de hoje ouvi o Cámeira dizer no Saraiva, Eu mais o Luis(Pombo), Fabricio, talvez, com o Padre Pinto fomos ver um teatro á covilha. Meu deus que sorte, eu fui jogar f.5 lá num pavil.de mosaicos, para patins, mamei b5, a 0b. Não sei se falei muito sobre o espaço 1999, que eu e o meu irmão vivemos, no outro planeta terra, que é aquele episódio em que se juntam. Eu sei que lhes doi, ser ter convicções, e ser livre, porque somos imunes, temos a carapaça, mas não, um sentimento pessoal com ideologia, de quem conhece quase tudo sobre o assunto.
Faço um prepósito, chamado Céu, pois é isso que faz parte de nós, esse valor que sobrevive a todo o tipo de intrigas, nomeadamente do Luis(/Pombo), manteve esse Natal vivo, e isso doi,m pois é, doi "munto" claro dizer obrigado é facil, Eu tambem estive é normal, pois é, ainda não acabou, Licas, não és assim tão cota, acaba lá a casa.
Do tipo, o Padre Pinto levou-me, no carro dele, mais o cámeira, duvidas sobre o outro passageiro, era puto, talves o Fabricio. Fomos ao TEATRO, á Covilha, depois não se metiam, com o dito devem ter sentido, que iam ter sucesso, na vida, todos são felizes, mas á um que ficou proximo, agora é tarde. Falei nele com sentimento, logo, ouvi bué. é o mais sentido, tambem, é PCP, fez o 2 ano C, porque não quiz mais, mas lembra esse teatro do p. Pinto, para mim, novidade absoluta. foi de vontade, essa relegião, Qual relegião, diria o o meu irmão Ateu, com quem me faltam os argumentos, cada vez mais, menos o que se vive em comunhão, dentro da igreja, esperança minha, um bacano religioso. Tenho tantas dúvidas, acho que é muita fruta, depois fala-mos eu vou ver. As minhas, coisas era suposto, como sempre, não haver, discusão, como nunca isso aconteçeu, voces riem. não existem. Disputamos porventura, pós Sertã, namoros, mas nunca disputamos, "religião" nem "politica" fora casa, nem o resto. Nada, gostamos em demasia um do outro. E mais ele gosta mais dos outros, do que eu. Por isso é que este serviço é meu, ele não resistia. Alguma vez o luis te disse que o padre Pinto o levou com 12 anos, mais dois bacanos a ver teatro á Covilha, deve ter sentido, os javarinos, que ia encontrar, nunca disseram sim. Ele a conduzir num R 12 os bacanos eleitos. "Emagina" a equipa. Falamos de alguem que te torna mais ateu. Ao contrario. Pois, não tenho nada em vista, só três vezes, Sertã 18. P.G.19.,P.G.19- o resto antes e depois, depende dos conselhos da Angarela.
a guerra é fodida... quem a provoca safa-se... e o pobre do inocente é que se tchapa... a guerra é fodida...
Generalizado, era esse o conceito, muito antes de os seres humanos, existirem, todos e sempre da mesma forma, conheces melhor forma de generalizar? O que nunca ninguem conseguiu, foi tranformar mesmo o conceito por via do s numa particularidade, "intrinseca" tipo todos nos safamos os outros que se lixem! O único assunto que verdadeiramente nos abre os ouvidos, È a palavra >Espanha novamente, e então todos fazem um movimento, que pode ser o não movimnento, para os mais impossiveeis, este esse ou o outro n, em absoluto devo dizer que é gorgon's, mas nunca cor de rosa ou será que nessa altura se podia morrer?
nem sempre o Mundo é redondo como eu e o Changoto, ás vezes gostariamos, em momentos alternados e distintos, digo eu.
Mas o Mundo corre, doi no ceu da boca, em chinêes não sei dizer. Mas eu é que perdi um texto julgo maravilhoso, sobre o 25 Abril o meu irmão zé a dar a noticia, depois eu nesse dia com a alegria da não guerra dele, seis anos, mira da RTP, SALGUEIRO MAIA, também, Conheci, pessoalmente, Quinze anos dep+ois, Que orgulo, e o ceu da boca, foi de madrugada, romãntico, acordamos todos, "assarampatados" o zé tá lá há uma semana, agora tá aqui em casa. Vem dizer ás sete da manhã que há revolução. O tó pergunta a minha mãe? que "ficuo" livre, ESTÀVA confessou ele muito máis tarde no CARMO, TONTINHO que ewu invejo.Estas são sempre as ´lágrimas da minha vida, mais o "trautriar" da musica a tourada, o desgosto do meu pai de esquerda assumida antes e depois, com o Fernando no movimento MRPP da Escola, O Zé e a sua vida Académica, pós tropa depois de furriel em CB em "75", Amigo pessoal de Paulo Carvalho, a segunda senha, e essas Noitadas, as vezes que me queria meter dentro do fogão, dava um belo coelho assado, a tropa esse privilégio que j+a falei,m os pontapés as Amálias, e a minha visão, sobre o meu pais, com ou sem acento tudo de resume ao mesmo. E os amigos estáva o pombo a pensar. Claro depois dos meus irmãos, andas ali, tu o Karraio e outros eu é que sei. Há um "ditado" que diz a familia não se escolhe, só os amigos. Pois ainda bem que não escolhi os meus amigos, e me calhou esta familia em sorte.
Amiga Angarela, esta é uma das razões, porque não gosto do Monumental.
Este ano no Natal, novamente, vamos, assistir, mais uma vez, a uma não filmagem do Fernando Gabriel, em alternativa, "O" "Veneno", como o Sr. Oficial dos BSL é conhecido desde, que com muita coragem (opinião pessoal), Infectou o sistema, em anos cuja memória não me atraiçoa, assim sendo, perderam-se os artistas, eu confesso já lá não vou há uns anos, mas dizem, nomeadamente, também, não gosto da palavra, a Céu, por exemplo, sem exemplo, que fez um trabalho, dos mais "inglórios", que eu vi até hoje, não estou a falar, do luis que esse é Glorioso, o trabalho dela, mas falava do panorama, eu não sei se a palavra ainda existe na nossa Aldeia "cultural", não há ninguem que resista, eramos tantos, luis era também mais um, ( Queriam conversa), se eu falo nisto é porque me doi, á manela á aida, ao vitor ao fabricio ao licas á lena á ana ao luis, á bela ao irmão da bela, á irmã do luis ao quim cunhado do luis ao eusébio, ao henrique á lurdes ao jõao, ao paulo, ao saraiva, á marilia, ao zé, outro zé, outro quim outro paulo, outro, fernando. E os "putos", Ruis, Helders, Ricardos, Joãos, Carlos, sei lá mais o quê? Tá bem eu digo, carlas lidias, vanessas, filipas, cidálias, cristinas e um conjunto de tontinhas, que também participavam, se fosse em nome da cultura? Em nome do Que? Em Penamacor a que horas? Pois È!
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Óh "Caniche" fodida ?!?!?!?! N havia nessseeesssidade!!! Mas que ela é fodida é...
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