terça-feira, setembro 20, 2005

A NOSSA FALA XXVII - ACARREJA

O tempo dos ganhões e das juntas de bois (vacas e até de burros, mulas ou mistas) está quase extinto por todo o país. Tempos houve, todavia, que homem e bestas puxavam os carros pela canga, unida ao tiró por uma cravelha reforçada com um tamoeiro, por mor de facilitar as oscilações. Sim, que nem sempre os animais eram do mesmo porte, ou até da mesma raça.
O ganhão tinha brio nos seus animais e era uma honra ter bestas com pêlo a reluzir e o carro bem oleado, os fueiros direitinhos, canelos em bom estado e, claro uma vara com aguilhão na ponta para o acicate e o respeito. Bastava a sombra para que a junta espevitasse o pé. Havia vários na Aldeia, desde o ti Zé Rolo que chegava a vir vender produtos vários a Castelo Branco , chegando a trazer dezoito juntas de vacas.A camioneta da carreira deu-lhe cabo do negócio e o homem finou-se cedo...(não tão cedo que não tivesse tido tempo de casar duas vezes e deixar geração em dezasseis filhos e filhas) ; o ti Mné Guerra, de alcunha o Geba, o irmão, o tiDomingos, velhaco quanto bastasse, o ti Zé Domingues, o Alberto Vaz, o Vigura que num Domingo de borracheira deitou os dentes à orelha do Agostinho Cagarela, conhecido por Cabo Vermelho e com um dentada lhe arrancou o brinco... Foi meu pai que, quando a ambulância chegou ao inevitável café da Rosa, lha meteu no bolso com recomendação ao bombeiro. O Cagarela acabou por ficar com a orelha soldada. Mas havia mais, o ti Zé Carreto que não se cansava de falar "no mê filhe dótorrrr", ou o Talha Burricos e por aí fora.
Por este tempo o som das dornas ecoava por aqueles caminhos e, não raro , nas subidas era preciso um garoto com um calhau para pôr por detrás da roda a servir de travão e os acompanhantes deitarem unhas às rodas e, a mando do ganhão, de vara na mão, todos à uma, incitarem as vacas até ao cimo. Superado o obstáculo, dava-se repouso às bestas e até se desaguavam com "gacho". Era a ACARREJA.
No Verão, por alturas de Julho, havia a outra acarreja: a da semente. Era ver os homens de chapéu e lenço encarnado ao pescoço por causa da pragana, aproveitando o relativo fresco da manhã para carregar o moio da semente (sessenta molhos, atados com um nagalho de colmo). Era preciso uma técnica especial para encatrafiar entre os fueiros e o vértice do carro tanta palha.. Se uma carga caísse, era garantida uma choradela de entrudo... Os molhos iam para as eiras e, a mangoal, homens frente a frente, e, a mando do zé padre, certinhos, batiam a palha e faziam saltar o grão.
As malhadeiras que depois apareceram aliviaram um tanto esta azáfama das malhas que começavam com a desejua, às cinco - figos secos e aguardente desmanchada com água e açúcar - a que se seguia a côdea, por volta das oito, o almoço às dez, o jantar ao meio dia, a merenda pelas três e meia, a ceia às sete e o ceote, à despedida, pelas nove . Tanto comer! dirão os mais novos.... Mas nenhum deles vergou a mola e tocou o mangual de sol a sol . Dormia-se até nos córregos!
A ti julha do bate-sacas malhava na quinta- feira. Andava preada: primeiro porque ameaçava molho e depois porque a panela de ferro rachou! Tinha que ir à vila a comprar uma no mercado de quarta. E foi. Mercou a panela e vinha com ela à cabeça, mas a idade tudo traz do que é mau e lá concluiu que não chegava à aldeia com a panela à cabeça, em cima da molídia. Decidiu vir de camioneta: Chico julho a motorista e ti Martinho a cobrador. Chovia bem. Ti Martinho avisa que lhe tinham dito que a polícia estava ao asilo e o melhor era que, quem não tivesse lugar sentado, fosse a pé pela calçada até à água férrea que ele depois parava e as pessoas montavam. Lá vão todas ligeirinhas, calçada abaixo e esperam a camioneta. Quando ela assoma na curva cimeira, toca a porem-se a jeito para subir... Chico julho nem as viu. Foi ali o princípio do fim do mundo. Até ficava mal em língua de mulher ... Ti Julha teve mesmo que trazer a panela até à aldeia, a pé. Teve que se deitar mal chegou a casa e o bate-sacas é que teve que se esgadanhar a fazer os preparos para a malha, porque podia deixar de chover e o pessoal estava falado.
Ainda assim, no dia seguinte à hora da camioneta, bate-sacas larga da eira e vem à espera da camioneta. Quando chegou, ti Martinho estava lá por cima a descarregar volumes maiores. Vai o bate-sacas:" desça-se cá para baixo que eu quero saber porque é que vossemocê ontem não amontou a minha mulher ali na fonte da água férrea! "Ti Martinho era a graça em pessoa e são famosas algumas das suas tiradas que talvez venham aqui ao baile noutra altura, respondeu lá do alto: "amonte-a você, ou já lhe falta o material?"
Claro que tudo se riu e bate-sacas afogou a tosquia num copo dos grandes na tasca do fatela, enquanto remoía: filho da puta do velho, chapou-me com esta.
Voltou à eira danado, e, sozinho, fez a acarreja das sacas de semente para o arcaz da loja.

16 comentários:

Anónimo disse...

Quando vivemos um dia de grande tempestade, fica aquele vazio difícil de explicar aquela angustia de incompreensão em relação á natureza das coisas. Depois como que por magia, lê-se um Post do Changoto e sentimos de novo que o sol brilha.

Bem sei que sol na "eira" e chuva no "nabal" é utopia, em qualquer dos casos admirável.

Anónimo disse...

O meu avô também costumava malhar no trigo, eu lá ficava a olhar para os graozinhos, naquela altura ainda nem conseguia segurar no malho, o meu avô chamava-lhe assim ! Lá perto havia uma figueira, é engraçado que ainda este verão comi uns figuitos da abençoada árvore e claro está me lembrei do meu avô...

Normalmente a minha hora de almoço é um dos momentos mais interessantes do dia, só porque venho a este blog !

Anónimo disse...

Antigamente uma junta tinha 2 bestas, agora tem 3.

Anónimo disse...

changoto continuas asurpriender pela possitiva é um privilegio saber da existencia deste espaço omnde todos falam sem saber muito bem com quem....mas na realidade como fazemos parte de um grupo ha carcteristicas que nao deixam duvidas sobre as pessoas que somos...nem camuflados conseguimos passar despercebidos...gosto deste jogo quem é quem? mais uma vez tudo isto possivel graças ao changoto e ao karraio,(o nosso papel tambem nao esta mal) quem sois vos quem sou eu?

Anónimo disse...

Dar erros e ser trapalhão faz parte deste blogg....não se pode ser diferente....destoava...

Anónimo disse...

???...!

Anónimo disse...

Ai, pois, fui comprar Ventil, sim só agora em Medelim,( antes das 7 ), "por via dos percunceitoosos, babosos que compram tabaco á hora que quewrem, em sitios ì locais que devciam estar fechados".E ssa velha ainda existe, só agora vi t+a mesmo velhota, t+a lá sozinha, doi de ver, estavamos sós chega um eu pensei bem ouvi a conversa ela despistou, pensei eu l´est+a, mas depois ele saiu, e eu antees, desculpe, posso saber a sua idade? olheio com aquele ar serio que resulta sempre, ou seja com a pureza do meu olhar, ,UHF, e ele disse, depois de parar e olhar pra mim, sou pastor, agora vou tratar do gado, ia a sair virei a cabeça e olhei pro ládo com convicção. Tenho ali cem cabeças, perguntei logo de seguida se tinha órario, ( a minha primeeira ideia foi anda " com a Velha" inda acho"), responde-me, cento e vinte ovelhas o órario depende ás vezes ás seis, depois já não me lembro, esteve quarenta minutos certinhos a contar-me do que sofria, chegou a gozar comigo, quando perguntou á velha se tinha tomado os dois comprimidos, juro que ouvi dois. pegei nos dois ventil, e bazei.

Anónimo disse...

Juro, palavra em franca crise, agora é mais o meu compormiso, juro que a estória foi assim, pois agora podia fazer vender a maarca do tinto ainda do meu velho, mas e tempo, ai vontade, soua sempre assim, sei que hoje é ai, já falei nisso, pro ano aqui também. Juro.

Anónimo disse...

Claro, que o tinto velho, tem borra, de maneiras que antes disso, ela era a minha amiga, que estava e está farta, da minha conversa da treta, mas ela também sabe que eu sempre fui um tretas, no que diz respeito ao amor, sério, pode ser um nolstájico ou assim coisa parecida, Pois já estive, proximo da lua, sei que estou menos miupe, mas vamos comn calma, ainda oiço RFM, logo ainda não passei essa fase, de comprar outra vez oculos pra nadar... Santarem...1989.

Anónimo disse...

Fico com saudades do padre Pinto.

Anónimo disse...

A Nossa Fala devia escrever sobre o termo TORRAR

Anónimo disse...

tens que começar a fumar os comprimidos e a tomar SG ventil

Anónimo disse...

tens que começar a fumar os comprimidos e a tomar SG ventil

Anónimo disse...

Quando era ainda de tenra idade, os meus pais levavam-nos, a mim e aos meus irmãos, para o campo às ceifas e era sempre uma festa. Lembro-me que adorava o cheiro do "paõ"(entenda-se do trigo ou centeio) cortado, e de toda a azáfama que acompanhava o processo. Mas o que mais gostava era a altura onde se comia a "bucha" estendendo-se o farnel no chão, em cima de uma manta de farrapos, e se comia o chouricito, o queijo, os pastéis...com a pinguinha de vinho! dirão que não tinha idade para bebê-lo, mas provava-o! Houve até uma vez em que a minha avó me pediu ajuda para arrumar o farnel e perguntei se podia acabar o fundo ao jarro de vinho (misturado com água e açucar...Uma delícia!). A minha avó consentiu, ignorando que a minha mãe tinha reabastecido o dito cujo...e eu, na inocência dos meus cinco anos, bebi até não poder mais o delicioso néctar. escusado dizer que o resultado foi uma valente bebedeira, e uma sova de meia noite! Mas foi a minha primeira experiência com o álcool que jamais esquecerei. Por isso, quando o Changoto aqui relembrou as ceifas, veio-me logo à memória esta pequena estória que marcou a minha vida. na altura o meu avô também tinha uma parelha de bois e a criança que eu era rejubilava de alegria no regresso à aldeia, já tardio, porque sendo o bébé, tinha o exclusivo de apanhar boleia na carroça. Quando não regressávamos e pernoitávamos, os uivos dos lobos, ao longe, (assim me diziam que era) amedrontavam-me e faziam que não conseguisse dormir.Os colchões de palha, também não ajudavam... Os barulhos da noite eram tantos que imaginava monstros à solta, mas o que nunca esquecerei também era aquele céu estrelado, magnífico, que nos servia de tecto. Eu era uma criança da cidade e cada episódio destes trabalhos, manuais ou com as malhadeiras, marcaram-me muito, e ainda "mexem comigo" porque me relembram o meu avô, que já faleceu, e que era um homem do campo. Um grande homem!

Anónimo disse...

Aaaatchimm !!!

Anónimo disse...

Santinho!!

Changoto ...Parabens! isto já não é só um texto, é um documento histórico do passado recente de Aldeia do Bispo. Este texto tem valor real, acho até que teve o poder de fazer o Comquentao emocionar-se com ele .