domingo, novembro 11, 2007

A NOSSA FALA - XCIX - P'CHORRA



A Mangedoura é o nome de uma adega de tecto baixo atravessado por caibros de pinho e chão de gravilha que alberga um velho pipo de carvalho que acode pelo nome de Patriarca. Com capacidade para engolir 5oo litros, o Patriarca é obra de tanoeiro experiente que se esmerou na preparação e montagem das aduelas firmemente ligadas por arcos de metal. O Patriarca é a testemunha estática de uma fadistice anual que o pretexto da vindima ou da sua confirmação pelo S. Martinho, proporciona. Habitualmente, o vinho escorre do Patriarca de uma grossa torneira de pau que se tem de abrir obrigatoriamente sempre no sentido dos ponteiros do relógio, para uma p(i)(t)chorra de barro e depois distribuído por pequenos copos de vidro. Há sempre algo de cerimonioso na hora de levar o copinho aos lábios: mira-se a cor do líquido em contra-luz, cheira-se longamente, tecem-se comentários sobre as suas características e qualidades, elencam-se os acompanhamentos ideais, enfim, faz-se do acto de beber vinho, um momento muito especial.

Neste contexto, os temas habitualmente recorrentes são relegados para secundários, como a política, o futebol ou a religião. A mangedoura é feudo do fado e do vinho, ali, o fado é qu'induca, o vinho é qu'instroi. Há que estar à altura. Daí a minha preocupação nalguma preparação prévia e, como todos sabemos, para tal desiderato, a net é um universo. Procurava eu umas coisitas sobre vinhos e vou dar com uns números interessantes sobre o consumo do dionisíaco nectar no mundo. Sem me deter em detalhes e explicações de conceitos e números, apenas para que vós tenhais uma ideia, sempre vos mostro alguns quadros construídos a partir de outros, constantes de um documento da Food and Agriculture Organization of the United Nations - 2003 (fonte fidedigna, pois):

Consumo de vinho:
1. Luxemburgo
2. França
3. Portugal
4. Itália
5. Croácia

Não posso deixar de salientar o honroso 3º lugar. Mas, não posso deixar de salientar igualmente que na França vive um milhão de Portugueses, e que uns bons milhares vivem no pequeno Luxemburgo. Ou seja, os primeiros dois lugares têm a nossa ajudinha.

Já agora, também vos mostro o podium dos países bebedores de cerveja:
1. República Checa
2. Irlanda
3. Suazilândia

Sim, Suazilândia, era o que lá estava, só depois é que vinham Alemães, Austríacos, Ingleses, Australianos e outros que têm a mania que bebem muita cerveja. Portugal? O nosso campeonato é o do vinho, não é este. Digamos que, nos que nos diz respeito, o vinho está para o futebol, como a cerveja para o rugby.

Sem grande interesse para nós, eis o podium dos bebedores de bebidas espirituosas:
1. Moldávia
2. Reunião
3. Rússia

Claro que a nossa melhor expressão facial de admiração vai para os reunioneses...
Também gostaria de pedir o vosso esgar levemente sorridente para o Irão. Parece que neste país o consumo de álcool é ZERO. Pois! Se a esta estatística juntarmos a que assegura - pelo menos na análise do senhor presidente -, que tão pouco lá existem homosexuais, temos que a antiga Pérsia continua a ser um país cuja evolução convém seguir com muita atenção.

Bom, mas voltemos ao vinho. Aproveitando a maré, naveguei até ao nosso INE para ficar a saber como vai o consumo de produto da uva e do trabalho do homem, em Portugal. Eis os números oficiais do consumo humano de vinho per capita (litros/habitante):

1992 / 1993 - 60,9
1993 / 1994 - 58,8
1994 / 1995 - 58
1995 / 1996 - 57,3
1996 / 1997 - 54,8
1997 / 1998 - 50,8
1998 / 1999 - 50,6
1999 / 2000 - 46
2000 / 2001 - 47
2001 / 2002 - 46,4
2002 / 2003 - 52,9
2003 / 2004 - 48,9
2004 / 2005 - 48,7
2005 / 2006 - 47,7

Consumo humano de vinho per capita (l/ hab.) - Anual; INE, Balanços de Aprovisionamento de Produtos Vegetais
Ano Campanha (1 de Setembro do ano n a 31 de Agosto do ano n+1)

É notória a quebra. Ela reflecte a tendência associada às modificações estruturais nos estilos de vida, ao comportamento dos consumidores, ao papel do vinho na alimentação, etc. Ainda assim, convém salientar que o vinho continua a ser, defendem conceituados entendidos, a mais benéfica das bebidas alcoólicas. Bem como continua a ser o melhor parceiro para o fado. Ora, como o fado é qu'induca e o vinho é qu'instrói, já se está a ver que dificilmente sairemos do podium. Agarrai então na p'tchorra, enchei, distribuí pelos amigos, sentai-vos num ”môtcho” e, ”buêi” e ”aldeagai” a gosto.

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