Há
pastores e até, mais ainda, grandes proprietários do ramo agro-pecuário que têm
gado, (no caso vertente - cabras) com a finalidade mista de produzirem leite de
que depois fazem queijo e para carne, ou seja, a missão principal das fêmeas é
apenas produzirem cabritos. Neste caso, o desmame do cabrito acontece mais cedo
para assim conseguirem que a cabra se saia mais cedo e o bode, sempre atento,
encarrega-se do resto. Para impedirem que os cabritos continuem a mamar
metem-lhe na boca um barbilho que os impede de chegar à teta da
cabra, que, como não é puxada, logo seca e fica pronta para a função desejada.
Em ar de gozo os pastores provocam-nos : querias mama, querias? Mas não a mamas!
Também
há por aí muito boa gente que o que quer é mama, anda sempre à babuge(m) e
não se importa nada de virar a casaca desde que o rio corra para a sua
barragem. Os exemplos são tão bastos que me dispenso de citar um único que
seja...não fossem os outros ficar melindrados. Vai lá vai...
Hoje
trago-vos outro texto, já escrito há algum tempo, mas que cabe perfeitamente
nos tempos que correm. É bastante longo e não sois obrigados a lê-lo todo de
uma vez. Não tenho brabilho e portanto podeis sempre
refasteladamente voltar a ele sempre que vos apraza.
Se é
verdade, como diz James: - que a nossa mente é contínua - , então, estamos
sempre activos em pensamento. Só que de alguns nos damos conta e de outros nem
tanto… Mesmo assim continuamos sempre a pensar.
A nossa atenção ao meio próximo circundante, mesmo se a tarefa que
desempenhamos é do nosso inteiro agrado e a motivação é forte, mesmo aí,
dificilmente estamos mais de oito segundos concentrados. Esta é a saúde do
nosso espírito: uma dispersão selectiva ou orientada. Nem obsessão
concentracional ou monoideísmo obsessivo nem poliideísmo difuso.
Fazeis então bem quando saís e vos perguntais pela saúde do vosso
filho ou sobre o que irá ser o vosso almoço, hoje. A nossa mente é uma vadia,
até porque, como diz o poeta, “não há machado que corte a raíz ao pensamento.
Vadiemos, pois. Mas, …, de vez em quando passemos por nós e por aqueles que nos
enviam a sua mensagem. Foi assim que num daqueles momentos de hipnogagia, já
quase a descambar para Morfeu me pus a pensar de mim para mim e relembrei que
eu, afinal, era um sujeito objectado. Eu era o outro de mim mesmo. Uma espécie
de não-eu como queria Fichte. A minha
consciência de mim implica que sejamos dois num: um eu e um não-eu. A identidade funde-se com a
alteridade, mas não em tempos diferentes como o filósofo do absoluto defendia.
E a questão emergiu: então o sujeito é um objecto.
Vai daí, propus-me um projecto que não me fosse, nem, muito menos
para vós, abjecto… Decidi:
tens um problema injecto….
Agora procura o melhor trajecto para que ele tenha algum afecto e não o considerem um dejecto.
E foi assim que o feto começou a crescer no mais íntimo do
meu imo.
Foi esta lucubração que me trouxe à ideia deter-me um pouco e
pensar. Nesta época de velocidade onde tudo e todos voam à velocidade de um
simples click, esta
atitude até parece ter o seu quê de bizarro! Pensar! que desperdício....
Ainda assim, sempre fui contra o que sói dizer-se FAST: contra a
Fast food, e mais ainda contra o FAST THINKING. Pensar depressa para quê. Já o
velho Cartesius aconselhava que nos precatássemos contra a precipitação...
nanja que eu seja muito seguidista deste racionalista metodista, mas, se se
souber olhar, sempre se descortina algo de positivo onde se pensa que tudo é déjà vu!
Assim decidi divagar, mas devagar, m u i t o
d e v a g
a r i- n h o.!
As ideias, ao princípio, atafulhavam-se, e como gladiadores em
arena de Coliseu, umas com retis e outras com Gladium, à porfia lutavam para ver qual veria o
polegar de César apontando para cima.... Olha, agora veio-me uma que calcou as
outras todas! Já reparastes vós que os nossos jovens, nos dias de hoje estão a
dar uma ocupação nova ao nosso velhinho polegar?! De facto, este velho oponente
aos outros prolongamentos da mão, é agora senhor de uma destreza excepcional...
olhai para eles, quando mexem nos telemóveis, vede a que velocidade emitem
mensagens ou digitam um número de telefone. Se quereis saber o número digitado
só se tiverdes à mão uma câmara lenta…
Já aferistes que voltamos a dar razão àquilo que sempre foi defendido?
A verdade é que é a mão que desenvolve o cérebro e não este aquela. A
necessidade de segurar liberta mais uma vez o polegar, e, ainda mais, se
reforça a sua importância decisiva. Se a oponência do polegar permitiu a
preensão, agora a sua libertação das funções de contra força, deixam lugar para
a destreza, a habilidade. Finalmente, já não é o gordo que vai para a
baliza.... Ele agora corre como os outros e mais: corre com os outros! É lindo!
Esta marca humana decisiva para a sua evolução fez-me lembrar o
título dos nossos encontros: o homem revisitado... e se voltássemos a olhar o
homem tal como me revi e me revisito todos os dias? Sempre igual e sempre
diferente.
Nunca sou ou somos completamente velhos conhecidos, mas também não
somos clones de nós mesmos. Como é agradável cada manhã vermos a nossa
narcisidade e saudarmo-nos logo com um humor cáustico: bom dia, carga de ossos
com carne! Tens à frente mais um dia, encarrega-te dele senão ele encarrega-se
de ti...
Vamos então revisitar o homem.
A perspectiva que vos quero apresentar não pretende ser exaustiva,
- haverá alguma coisa que o seja? - mas visa ser uma visão diferente , pessoal
e com toda a certeza é original.
Enquanto sujeito do mundo ele mais não é que um objecto desse
mesmo mundo. É um entre os demais. Ao princípio viveu numa fusão perfeita
enquadrando-se no seu habitat jogando o seu papel, lutando pela
sobrevivência. É um sujeito idiossincrético e como tal mesmo sem a
racionalidade que depois lhe vai dar a marca distintiva durante séculos ainda
hoje perdurável, - o homem como animal racional - idiossincrásico, numa
harmonia que de selvagem tem o título infeliz que muitos lhe deram e que Lévy
Stauss em boa hora corrigiu. Tinha uma lógica vivencial, pré-científica, é
verdade, mas nem por isso menos lógica. O tempo era o tempo presente. O seu
tempo, aquele mesmo que o obrigava a buscar sustentação, gregação e reprodução
nos termos do chinês de Konigsberg. Este sujeito indistinto, imiscuído na
perfeição do universo fazia parte da vida no mesmo patamar que muitos outros.
Este sujeito deixava-se ficar sujeito à roda do devir e, aos poucos, começando
a ler o que o rodeia, inicia uma nova narrativa que lhe possibilita uma nova
gramática relacional na geometria espacial que o envolvia. É simultaneamente
hiperactivado pela necessidade natural de se manter vivo e passivo, no sentido
de sofredor, como tudo o que traz à mistura paixão. Este sujeito físico a breve
trecho se torna metafísico, quer ordenar o que em si mesmo é caos. Como Ovídio in principio moles imensa
indigestaque erat. O desejo
de ordem afasta-o de si. Pendura-se num ordenador. Como não se fizera a si
mesmo, a sua lógica levava-o a que alguém o tivesse feito. Os outros como ele,
também não teriam tido essa capacidade, pelo que ele derivaria de um estranho a
si mesmo. Não só ele, também o que o rodeava e lhe oferecia tanta
diferenciação. Se ele não fazia o que o rodeava nem a si mesmo, mistério era e
a exigência de um ser metahumano se tornasse emergente. A divindade, quando não
as múltiplas divindades, respondiam às questões que o apoquentavam. E ele
sossegou.
Mas... oh sortilégio, a idade de ouro, não podia durar por muito
tempo e o abandono do paraíso não tarda... Ainda se volta para si a ver se
encontrava respostas, mas aqueles que a procuram são iníquos e morrem às mãos
dos seus iguais. Aí temos o sujeito social e enquanto social o sujeito
político, o que ao não saber governar-se apoia que outros o governem... O
político enquanto sujeito aliena a sua vontade, anonimiza-se, confunde-se no
seio dos seus iguais e a sua virgindade inicial é conspurcada pelo ódio,
inveja, escravização... A racionalidade afinal deixa-se vencer pelo
sensorialismo. É bem verdade que o político é muitas vezes bem pouco polido.
O desmoronamento dos valores essenciais humanos inevitavelmente
conduz a uma época do salve-se quem puder em que o sujeito é personificado,
teocrático…. Impunha-se um novo sujeito que na convergência da valoração
apresentasse pontos de vista divergentes. O sujeito do rompimento, da ruptura
com os status quo, um sujeito dividido, um sujeito
cristão, que, aos poucos se apossa de meio mundo e tentacularmente também ele
aniquila quem é contra ele. Sujeito que realça a futilidade dos bens materiais
e promete para além túmulo um mundo de bem aventuranças. O mundo deixou de ser
humano, passou a ser ecuménico. É o sujeito catecúmeno possuído por uma
catequese escatológica em que a razão cede lugar à crença, em que o dogma se
confunde com a verdade, e a dúvida despertadora é esmagada ao peso da imposição
inquisitorial. Só que este sujeito, de si, é insatisfeito, avesso a continuuns estagnantes que favorecem a
putrefacção, e quer novas fontes, novos rios de verdade e, embora a custo e
após penumbra quase eclíptica, reassume o seu lugar górdio, renasce e das
cinzas de Fénix as sementes, tanto tempo hermeticamente enclausuradas num
vórtice de mistérios, abrem-se agora para um novo dia e um nova postura. O
homem humaniza-se. É o sujeito humanista, centro dos centros. Abre-se ao mundo
e abre os mundos. Rompe com establishment e com a nomenklatur. Conhece e conhece-se, a doutrina cede
o passo à prática e o saber deixa o trono para o conhecer. A investigação
arreda o magister dixit, e os adivinhos, videntes e bruxos
caducam ante a universalização das leis entretanto conquistadas à força de
verificações experimentais. As sacralizações profanizam-se, a razão vai aos
píncaros da sua capacidade e, tribunalícia, estabelece limites à sua própria
extensão e compreensão. Vem já aí a caminho o sujeito individual, o que rejeita
a lógica dos sistema e rebelde entende que a sua liberdade se exerce no seio
dos outros. Alguns velhos do Restelo bem vociferam a força da ordem, da
constância do método, do rigor da mathesis
universalis. Mas o sujeito
tinha aprendido a andar e quer agora caminhar e devolver de novo à natura
aquilo que nunca dela deveria ter sido desapossado. Aí está o sujeito
experimentalista, laboratorial, positivo. Fundamentalista na sua convicção que
nada podia escapar à verificação factual, ufano nos poderes da previsibilidade
e do controle, veste fato de gala e pretende de novo sujeitar-se a si mesmo a
uns contornos de predefinição. Nem já a imaginação tinha lugar neste sujeito tirano
que, à margem do que as circunstâncias aconselhavam, recusava a revisibilidade
dos conceitos e queria o emparedamento das convenções. A poesia não cabia,
tinha que tudo ficar ao nível de uma prosa fria, carrilada, dedutiva, sempre de
navegação à vista…
Sempre a presunção umbilical, libidinosa do mandarinato
científico!
Mas se há sujeitos que tudo querem sujeitar outros há que rejeitam
o metodismo, a repetição o “amén…“ Afinal a teoria que nunca tinha sido e ainda
continua por ser provada, a teoria da evolução, segue sendo isso mesmo: uma
teoria. Como tal hipotética, provável, polémica, descarrilada…Mais uma vez o
sacralizado, o intocável, rui e até mesmo o átomo se desintegra, o que era
elemento ínfimo, é agora múltiplo composto, o que estava em repouso agita-se, e
com que força! O sujeito atómico ‘ cria
um poder sobre o qual deixa de ter poder ‘
como nos ajuda Morin, e, o que era visto como isolado, é entendido como
inserido num campo, como muitos nos ensinaram desde Maxwell, a Lewin e
Bourdieu. E para mais o sujeito guerreiro revive nos movimentos
independentistas e as fronteiras deixam de ser espaciais para passarem apenas a
ser temporais, como futuramente nos vai avisar Tofler. Com a guerra somos
obrigados a recordar Vieira: «É a guerra aquele monstro que se sustenta das
fazendas, do sangue, das vidas, e quanto mais come e consome tanto menos se
farta. É a guerra aquela tempestade terrestre, que leva os campos, as casas, as
vilas, os castelos, as cidades, e talvez em um momento sorve os reinos e
monarquias inteiras. É a guerra aquela calamidade composta de todas as
calamidades, em que não há mal algum que ou não se padeça ou não se tema, nem
bem que seja próprio e seguro. O pai não tem seguro o filho, o rico não tem
segura a fazenda, o pobre não tem seguro o seu suor, o nobre não tem segura a
honra, o eclesiástico não tem segura a imunidade, o religioso não tem segura a
sua cela, e até Deus, nos templos e nos sacrários, não está seguro.»
Como eu gostava de escrever como este sujeito escritor. Antes como
agora o sujeito belicoso acarreta para a humanidade sempre este rol de
desgraças. E nesta nossa revisita ao homem pergunta que se impõe será a saber
quantos dias de paz conheceu a humanidade….
Mas… é forçoso que continuemos a nossa viagem por algumas das
facetas que o homem enquanto sujeito nos foi deixando no tempo.
Já não bastava a destruição de alguns dos paradigmas, quando o
mundo é acordado pelo escândalo menos esperado: chegou o sujeito sexual. O
último tabu, aquele que se velava, fosse de tanga ou com as mais sofisticadas
roupas, é agora deixado às claras e considerado como o responsável mor pelo
comportamento humano. Vasculha-se até ao mais fundo do segredo pessoal,
descodificam-se os sonhos, põe-se ao léu o que fortalezas consideradas
inexpugnáveis pelo sujeito ciosamente guardavam. O importante não é o que se vê
ou o que se diz, mas antes o que se oculta.
Afinal a verdade está escondida e o que é preciso é encontrar as
armas adequadas para a desvendar.
Parecia adivinhar-se o sujeito fiscal… Era preciso guardar as
verdades; afinal já nada está seguro? Os guardiões dos templos, qual horda organizada,
poderosa no seu STATUS a breve trecho cria o sujeito epistemológico, hidra de
sete cabeças e boca voraz, ressurreição inquisitorial, microscopinvestiga e
acerrimamente critica quem extravasa das margens. Mais uma vez este sujeito
inquisitorial se esquece que o rio é livre e que a culpa nunca é dele, mas
exactamente das margens que o apertam na soberba imagem de Brecht.
O novo sujeito agora possesso pela energia liberta e,
simultaneamente, controlada, a breve trecho, vai espezinhar este sujeito epistemológico,
indivíduo de escola, servil e obediente, que apenas arriscava pôr os pés nas
poldras que sobressaíssem seguras da torrente das águas. De pouco lhe valeu. O
sujeito epistemológico esqueceu-se do sujeito epistémico, inovador,
investigador, curioso, indomável, agressivo, rebelde, cada dia novo. Como bola
de neve rolando o volume do seu tamanho aumenta e arrasa o que se opõe.
Liberta-se de peias e assume uma nova postura, ávido de saber, não pára na sua
indagação e olhando para trás aproveita o que de bom pelo tempo fora
conseguindo e melhora significativamente as suas potencialidades.
É assim que chegamos ao sujeito cibernético, à era da tecla à
fusão entre virtual e real. O tempo e o espaço deixam de pertencer à esfera do
sujeito, que, estulto na sua comodidade, abre as portas aos invasores que,
especialistas na arte do engodo lhe impingem de novo verdades que se convence
serem insofismáveis. O sujeito cibernético, traz o sujeito marketing, o sujeito
publicidade, o sujeito global…, fica tudo sujeito ao simples gesto de premir um
botão.
Que homem é este que agora nos acompanha? Fecha as portas aos seus
vizinhos próximos e escancara a sua sala, a privacidade do seu quarto,
vilipendia a sua mesa, renega o diálogo familiar, abocanha a velocidade, corre
mais depressa para a sua própria destruição…
Será este o homem apocalíptico?
Será desta que os tentáculos da mais ganância, a valoração da
materialidade, do egoísmo e da competitividade dizimarão o nosso homem?
Não deixaremos nós também uma marca que permita aos vindouros
revisitarem-nos?
Quero terminar com o sujeito esperançoso. O mundo e o homem não
são feitos à imagem de Hitler ou outro qualquer ditador.
Há outras leituras, outras narrativas e, como em todas as
mitologias, o Bem sempre venceu o Mal.
Disse ou tenho dito que é o que se diz quando se disse o que se
queria dizer. Disse!