terça-feira, setembro 11, 2012

A NOSSA FALADURA - CLXXXIV - ÀS E(I)ND(I)RE(I)TURAS

Não raro confundimos convicção com certeza, teimosia com persistência, causa com opinião e por aí fora.
A natural tendência para aparecermos como vedetas maiores nas estórias que contamos levam-nos a uma pseudo auto estima a partir de uma imagem defeituosa do nosso próprio auto conceito.
Educados como fomos numa lógica bivalente, numa divisão dicotómica, num maniqueísmo atávico, tendemos sempre a pensar que quem não é por nós é contra nós e que quem discorda de nós é tendencialmente anormal ou um cegueta que não quer ver a verdade (que evidentemente é a nossa). A questão agrava-se se falamos de religião ou nos metemos em questões de fé.
A nossa matriz mais profunda é, sem dúvida, a matriz judaico-cristã. Mas não só: temos raízes celtas, fenícias, helenas, romanas, árabes e depois africanas, brasileiras, francesas e anglicanas e o que mais se queira, como indianas e asiáticas no seu todo. Os portugueses foram os primeiros aldeões globais. Por isso é que " se Deus criou o homem, o português criou o mulato".
A religião enquanto fenómeno individual e social é, a bem dizer, um fenómeno universal e intemporal. Só que as religiões são todas sectárias, desde os cristãos (católicos, anabaptistas, adventistas, anglicanos, luteranos, calvinistas, cárpatos, coptas, ortodoxos, iurd, piniel, maná, e um rol mais que inumerável) judeus com as testemunhas de jeová, rabinos e outros que tais, muçulmanos com as teocracias mais que muitas com as diferenças interpretativas que levam, em todas elas - estou apenas a falar das três monoteístas - a fundamentalismos sem nexo, cada uma convencida que o seu deus é o único deus, quando é apenas um a das divindades aceites por correligionários crentes.
Permita-se-me citar Michel Onfray - Tratado de Ateologia,- pg. 69:... «os homens , quando se decidem a dar à luz um deus único, fazem-no à sua imagem: violento, ciumento, vingativo, misógino, agressivo, tirânico, intolerante....»
Não há dúvidas que em nome de deus tudo é possível, desde uma fervorosa Teresa de Calcutá a um Torquemada, de mártires pela liberdade a vingadores de 11 de Setembro, de união em torno de um ideal a invasões de toda a ordem com morticínios a eito. Se deus soubesse o que fazem em seu nome, envergonhar-se-ia.
Alma de Sino tinha uma burranca valente. Quase parecia uma mula. Quando bem arreatada como na altura das festas, era um animal garboso, bem posto, crina brilhante e rabo enorme, dorso largo. Alma de sino primava pelo trato da sua besta e tinha razões para isso. O seu modo de vida consistia em ir ao Sabugal a vender as primícias: o primeiro feijão verde, a batatinha nova, figos, abóbora, nabiços, que sei eu... Aparelhava a burranca, punha-lhe as angarelas e carregava-as com dois cestos laterais e dois ao centro de sobrecarga. O animal arrancava com a carga sem aparente esforço e Alma de Sino lá ia, quantas vezes também ele atado à burra, caminhando, qual sonâmbulo, puxado por corda presa à rabicha da albarda.
"Ó Ti Mnel, atão qual é o caminho que vomecê toma para encurtar viagem até ao Sabugal? perguntei-lhe um dia. E ele: « olha cachopo, meto aqui direito à quelha funda, vou às endireituras da fonte de Carvalho, subo até ao talefe do salgueirnho, passo ao lado da capela do Meimão às endireituras do castanheiro das merendas e depois é só descer até ao Sabugal.»
"Atão e se fosse ali pelo carregal, a passar à sra do incenso contornasse a mata às endireturas da ponte do zé mendes e à queijeira do elias até ao carvalhal da meimoa, passasse pela sra da póvoa, subisse a serra de opa e depois fosse na mesma a dar ao castanheiro das merendas?.»" »Tu és tonto, era muito mai longe! e além disso tinha que ensinar o caminho à minha burra e ela, como é velha, já não aprende vereda...»
Discutimos os trajectos mas ao fim cada um ficou com a sua. A burra olhava para nós a dizer que éramos os dois uns tarantas.Se calhar era ela que tinha razão.
Passados dois anos a burra acabou por morrer e Alma de Sino começou a ter que ir na camioneta da carreira.
Assim somos nós: só mesmo perante uma evidência insofismável alteramos as nossas convicções, mas a tendência é a de continuarmos a bater na mesma tecla, mesmo que esteja desafinada. Habituamo-nos àquele som e passa a ser melódico ouvi-lo, contra tudo e contra todos.
Somos mesmo muito lindos, não somos?
As coisas só estão bem quando ficam nas nossas endireituras!
XXXXXXXIIIIIIIIIIIIIIGGGGGGGGGGGRRRRRRRAAAAANNNNNNNNNNDDDDDDDDDE

1 comentário:

Zé Morgas disse...

Se coelhos, relvas e portas levassem umas valentes fueiradas nos costados, talvez talvez este País tomasse o rumo das endreturas.