quinta-feira, janeiro 11, 2007

A NOSSA FALA LXXIV - estar DESERTO por

Vamos ao latim. Tem que ser. Afinal, essa língua, hoje em vias de extinção, sempre é a matriz maior do nosso léxico. A raíz do termo é o supino do verbo desidero, isto é DESIDERATUM. Passaram-se alguns fenómenos fonéticos dos quais se enumeram alguns: queda do M final (apócope); abrandamento do U para O por ser pós-tónico : ficou DESIDERATO; as coisas agora são mais complexas mas abreviam-se: o D intervocálico sofre uma síncope(cai) e fica-nos desierato; o e assimila o i de forma regressiva e fica deserato; a tendência natural para que as palavras em latim tenham o acento o mais recessivo possível, salvo quando as regras da acentuação o impedem, levou a uma alteração da tónica do a primitivo para o e, que agora, devido à assimilação do i, ficou uma vogal longa, o que conduz, inevitavelmente à síncope(queda) do a e cá temos DESERTO.
Até vós já estáveis desertos por que eu voltasse. Cá estou de novo. Há alturas da nossa vida em que outros valores ocupam a nossa faina. Foi o caso. Mas também eu estava desertinho por volver aqui ao nosso convívio.
Kant defendia que o homem tinha três dimensões: a animalidade, a racionalidade e a personalidade. Na primeira, que não diferenciava o homem dos outros animais, considerava que eram três os instintos que cometiam ao homem: a conservação, a reprodução e a agregação.
Os estudiosos das motivações humanas colocam as mais vitais na base da pirâmide e é curioso que, se colocam a conservação, não consideram nesse nível as reprodutivas. Vamos lá a saber porquê!
Os factos que constatamos no mundo à nossa volta e corroborados por documentários ao vivo e ainda por teorias actualíssimas reforçam a decisiva importância da função reprodutora. Ou não é verdade que os machos zelam ciosos pelo seu espaço territorial e que toda a sua vida é dirigida para uma única missão: transmitir os seus genes, ou o que dá na mesma, eternizarem-se, já que o seu sangue continuará a correr nas veias dos seus descendentes.? Lutam às vezes até à morte pelo controlo do maior número de fêmeas. É o gene egoísta. Os machos solteiros, logo, não dominantes, estão desertinhos por substituir o seu progenitor no posto...
Também Freud, na sua curiosíssima leitura da importância do sexo na construção da personalidade humana recua aos tempos das hordas primitivas dos nossos antepassados: os machos adultos, titulares das fêmeas em reprodução expulsavam, castravam ou mesmo matavam, os seus rivais pretendentes ainda que fossem sangue do seu sangue. O sexo é como a fé: é cego. Então, os irmãos, todos filhos do mesmo pai, ainda que de diferentes mães juntaram-se e, todos à uma, atacam o pai, matam-no e comem-no; assim, nenhum deles seria culpado porque a sua culpabilidade se diluía no conjunto e, ao mesmo tempo, ao comê-lo, herdariam dele a virilidade que lhes possibilitaria a transmissão dos genes. Só que ao matarem o pai ficaram com as irmãs e com a mãe e se se reproduzissem com a sua própria mãe (coisa que não é tão rara quanto isso, desde o mito de Édipo até a algumas espécies onde é comum a partenogése) então cometeriam o incesto e a sua consciência, apesar de incipiente, não deixaria de os martirizar acusadoramente. Levam então mães e irmãs a outro clã e trocam entre si as fêmeas evitando a consanguinidade. Ainda se constata isso hoje na maioria dos selvagens e até nalguns domésticos, como os coelhos que se tornam canibais, muitas das vezes para impedir que os seus lugares de reprodutores sejam preenchidos.
Não há dúvida: o importante é a reprodução.
Acontece que o acto reprodutor causa prazer...
Descobertas recentes têm vindo a confirmar que a zona do cérebro onde se origina o prazer é exactamente o mesmo que gere a vingança. Não admira, pois, que sintamos prazer quando nos vingamos de alguém que nos fez mal ou quando algo de mau acontece a um qualquer que de nós troçou em tempos idos. Estamos mesmo desertinhos que lhes aconteça pior que a nós. E que gozo sentimos nisso!
Foi assim que aconteceu comigo: fui com Tonho Raposinho, Mnel Barril, Tonho Teixeirinha, Neto do Arplano, Chico Botas e Zé Gramacho, ali para os lados da Quelha Funda, ao fim de missa, num Domingo, Agosto já entrado, à procura de ninhos de melro por essas vinhas, na altura muito melhor tratadas do que hoje. Tempos.... Ora acontece que quando íamos ainda no caminho , perto daquilo do Melgo, no carvalhal do Raposo, o Botas dá de caras com ninho de gaio num ramo dum carvalho. Tinha visto sair a gaia e apercebeu-se que os gaiozinhos já tinham corpo para levar umas areias de sal num bom lume de borralho. Os carvalhos andavam, naquele tempo, bem esgalhados, à uma, por mor da lenha para aquecer a panelinha de ferro e, à outra, para que não fosse fácil roubá-los. Eu era meio tropa-gatos e decidi-me por ir lá acima tirar o ninho ao gaio. Eles ajudaram-me a embarrar e depois foi só comigo. Trepo por aí acima deito as mãos ao cruito do carvalho, começo a vergar para fazer de mola e o peso sobre a pernada onde estava o ninho não ser muito, quando, de repente, venho eu, o cruito do carvalho a pernada e o ninho, tudo em monte, até ao chão. Conferi aí aquilo que o velho comandante dizia: "o chão é um gajo porreiro: apara tudo!"
Por sorte não rasguei nenhuma peça de roupa mas o corpo ficou todo dorido e a manga da camisa suja quanto bastasse para ter de dar explicações quando chegasse a casa. Além do mais, fiquei um pouco sem conseguir respirar mas ouvi o Gramacho:" bem feita, não tinha nada que ir tirar o ninho!"Se não estivesse tão falto de ar tinha-lhe ido aos fagotes ali mesmo... Mas.... a vingança serve-se fria.
Um dia de Inverno, caramelo suspenso em forma de estalactite dos beirados, a mãe do Gramacho precisou de uma bilha de gás. Lá arranco eu com o mais que famoso carrinho quadrado direitinho ao arrabalde do Guerra e à casa do Gramacho. Tinha a casa umas escadinhas de acesso em granito, e como não estavam muito bem polidas a água gelou nas poças. Eu sabia que o Gramacho estava em casa e que usava umas botas cardadas com brocha espanhola que aquilo parecia um sino quando batiam na calçada. Disse-lhe da porta:" o Zéi, traz aí a bilha vazia que é para levares esta cheia aí para o fogão." Aí vem o Gramacho com a bilha, desce para o patamar das escadas e - haja Deus! - logo no primeiro degrau escorrega de chapa e cai um bate cu que chegou ao fundo sem precisar de galgar qualquer outro degrau.
Caladinhamente disse cá para mim: "bem feita!é para te lembrares de quando eu caí do carvalho. Agora já sabes o que dói!"
Não há dúvida: o centro nervoso do prazer só pode ser o mesmo o da vingança.
O mesmo se passa com a humanidade no seu todo: quantos foram que vibraram de prazer quando viram Hussein pendurado da corda! mais que todos deve ter gozado aquele que malevolamente colocou as imagens na NET. Crime mais que hediondo.
Agora dizei lá que não somos radical mente velhacos!
Um XXXXXIIIIIIIIII.