domingo, agosto 23, 2009

A NOSSA FALADURA - CXXXIX - BASQUEIRO

À hora a que começo a escrever esta missiva aproximamo-nos a passos largos da data da festa do orago dos xendros: o Sr. São Bartolomeu (ou como lá se diz S. Bartlameu), festa dos frangos e de valentes fogaças, que o eram noutros tempos, e também de muita crendice: dando por adquirido (mas barato) que S. Bartolomeu cantava o te deum laudamus enquanto era esfolado vivo e frito numa enorme caldeira, lá por terras da Índia (seria?), ele, como facilmente é constatável na imagem que sai no andor, tem o mafarrico preso por uma corrente... Só que, no dia da sua festa, quer conviver com os seus protegidos e deixa o diabo à solta... Por isso, nada de assomar a poços, que satã pode empurrar-nos, nada de aventuras tontas como subir a árvores, que se pode esgarnar a parnada , e sobretudo evitar andar sozinhos que belzebú se pode tornar, de repente, no nosso companheiro de viagem e para além de nos trapacear, pode ficar dentro de nós e a sua esconjura por exorcismo, para além de difícil é rara, e apenas praticada por agentes eclesiásticos autorizados...
Enfim, cuidado convosco e também com a criançada : que não vão sozinhas para as varandas que o rei dos infernos os pode atirar dela para baixo. Se virdes um abobrinho espetai-lhe um pau, que no seu olho está o cornudo, rabudo, de forquilha na mão.
São Bartolomeu vos livre de todas as mazelas, Amén.
A marca matricial, ou, um A PRIORI evolutivo, como quer Popper, já que não é aprendido, portanto não é adquirido, mas também não se pode considerar inato porque bastava que fosse nato (= natural), ou teleológico e teleonómico como defende Dawkins, a marca matricial, dizia, da necessidade de hierarquia, ordem, estabilidade, ... ,típica da mentalidade ocidental, oriunda já dos apotegmas dos sete sábios, das prescrições de Sólon e das imposições espartanas de Licurgo, passadas a escrito e defendidas, com recurso a mitos alegóricos pelo Ombros largos - Platão - e ainda pelo estagirita com o seu cânon, e depois por Plotino, Agostinho de Hipona, Eckart, e sobretudo Renatus Cartesius, que até escreve o Discurso do Método (para bem conduzir o raciocínio), esta necessidade de ordem, no tempo e no espaço, acompanha-nos.
Haja quem tente, de algum modo, profanar este status quo, Morin e Bourdieu, por exemplo, Heinsenberg e Bohr, que logo se advoga que Deus não andou a jogar aos dados (Einstein) e que, portanto, a incompetência é nossa porque já o velho sábio Galileu defendera que "o que para nós é de difícil inteligibilidade é para a natureza de facílima execução".
O Universo não pode ser um BASQUEIRO! ponto final. É assim e mainada.
Está tudo escrito no livro do destino e tanto adianta correr como saltar que AS MOIRAS já assinaram a nossa destinação e como diz Séneca: Juppiter non adest singulis (Júpiter não se preocupa com o singular) - era só o que faltava-: teria de ser injusto, porque para atender a uns desfavoreceria os outros... Que ao menos na divindade não haja jobs for the boys!
Se questionamos estes defensores da ordem e da estabilidade com a distribuição aleatória das pedras , por exemplo no penhasco de Monsanto, e invocamos a entropia, ou se os confrontamos com a falácia do seu ilusório argumento, que é cego a outros pontos de vista, viram-nos as costas e"fica-te com a tua que eu fico-me com a minha". É a pirronice levada ao extremo e já sabemos que os extremos se tocam e assim os cépticos se transformam em dogmáticos.
É a quadratura do cículo.
Já lá vão uns lustres ou carros de anos, como preferia mestre Aquilino - vide Malhadinhas - numa noite clara, depois de termos papado uma galinha roubada (eu era sempre e só o cozinheiro) e, quando era a minha vez de arranjar a galinha, simplesmente, pedia-a a minha mãe, que nunca ma recusou, calhamos a olhar para o céu, ali mesmo à saída da mina de toco Jabão, eu, abraço de basooka, Jorge alguitarra, varinha de arado, coiote pete e tonho modas e pusemo-nos a identificar as constelações...
"Ali está a Cassiopeia imortalizando a amada de Hércules que a mãe ursa e sua filhota mataram e estavam a devorar quando Hércules chegou... Arreliado espetou a sua amada no firmamento para que todos vissem as curvas dela e atirou com as Ursas (a Maior e a Menor) para a servirem no céu..." Isto disse eu, armado em sábio e, logo basooka, : o vinho fez-te mal ó rapa a unha. O Orion todos conheceram e o sete estrelo e, pelo caminho do ribeiro cimeiro lá ia argumentando como podia, dizendo que aqueles conjuntos de estrelas nada tinham a ver umas com as outras mas que éramos nós que, na nossa necessidade de segurança lhes atribuíamos uma forma conhecida segundo uma certa configuração como o trapézio do Orião. "Vai mas é lamber sabão" atirou alguitarra e Coiote mordeu:« a tua cabeça é um basqueiro de ideias... andas a ler muito. Organiza-te lá que no estamos para aturar as tuas patacoadas".
De nada valia contra argumentar e lá fomos para casa de toco jabão ouvir la belle musique française: Sheila- a preferida-, Mireille, Françoise, Sylvie, France Gall e de homens Halliday, (Jésu Christ est un hippie), Cristophe, invariavelmente ALINE, e Michel Sardou com Rivière.
No quarto de Jabão havia de tudo: fios eléctricos, maçãs, cama sempre por fazer, uma garrafa de jeropiga, corta unhas, alicates e chaves, multímetro, ... e discos com fartura mas só os franceses e os Rolling Stones é que tinham sítio certo e, depois, Proudy Mary por Tina Turner, que eu lhe ofereci e que mereceu: Ah música dum filho de puta!
Àquilo é que se podia chamar um basqueiro.
E por aqui me fico. Boas festas de S. Bartolomeu . XIIIIIII GGGGGGGRRRRRRANDEEEE

segunda-feira, agosto 10, 2009

A NOSSA FALADURA - CXXXVIII - (T)CHAVASCAL

Já uma vez, creio, aflorei aqui a temática do barulho.
De Darwin para cá, muitas foram as leituras a que estávamos profundamente arreigados, que sofreram alterações significativas, quando não, mesmo, subversões e até inversões. Simples: muito daquilo que aceitávamos como verdade dogmática, certeza inabalável, quase com o valor da (incrível) infalibilidade papal , veja-se que foi já este Bento, dito XVI, finalmente, acabou com a existência (e consequente crença) do Limbo. O Limbo era aquele local etéreo, para onde iam os recém nascidos que não tivessem sido baptizados antes de morrer. E não acaba com o Purgatório pela simples razão de que, se acabasse com ele, não valia a pena continuarmos a rezar pela salvação eterna das almas dos nossos entes queridos: se fossem para o Inferno, de nada valeria a oração, e, se tivessem ido para Céu, dispensar-se-ia a prática, já que era desnecessária. Assim, com o Purgatório a meio da viagem, sempre vale a pena porque podem lá estar.
Foi assim que nos catequizaram e, claro, registamos impressivamente esta crença, que nunca pusemos em causa. Se alguém a contradiz, agarramo-nos a ela e até a tentamos justificar com os argumentos mais balofos.
Na minha vida profissional têm-se-me deparado situações muito semelhantes: sirva de exemplo a resposta à questão simples de ' quantos sentidos temos?' Invariavelmente a resposta é que são cinco: visão, audição, olfacto, gosto e tacto. Se insisto: então e se te escaldas? e se sentes fome, ou sono, ou sede, ou dor de barriga, ou uma picadela de uma abelha,... onde raio metes estas sensações? Pasmam boquiabertos, asseveram que foi que o seu professor da primária lhe ensinara e pronto...
O mesmo se passa com o barulho (ainda cá hei-de voltar): basta um pouco de sono ou um problema pessoal, ainda que pequeno, para eu já não ouvir quem se me dirige. A fome, o sono, a dor, e outros problemas tão silenciosos que não contamos a ninguém, são, afinal, barulhos ensurdecedores ...
O professor desempenhava o papel da autoridade máxima em matéria de garante do saber. Bom era que esta deferência para com os professores, nos tempos que correm, ainda se verificasse, não já com o mesmo peso, está bem de ver, mas que também não fosse tão desautorizado como é, ... Bem, adiante, que isto tem pouco a ver com o nosso (t)chavascal.
De facto, já quase nada é sagrado.Tudo, ou quase, passou ao campo do profano.
Lembro-me bem de ter lido um livro extraordinário de um autor francês (Georges Gusdorf) chamado Mythe et Métaphisique (Mito e Metafísica): «o profano submete-se ao sagrado, ao mesmo tempo que foge dele para não ser completamente dominado».
Hoje, os campos estão a inverter-se, pelo menos no que às crenças tradicionais do mundo ocidental diz respeito. Veja-se só a quantidade de religiões que a cada instante vão aparecendo, explorando até ao tutano a figura de Cristo. Se ele por aí aparecesse hoje, havíamos de assistir a muitas expulsões de vendilhões do Templo (católicos incluídos, que não são melhores que os outros).
Vamos lá à xendrice:
Verdade insofismável é que o clima antigamente- e nós não somos ainda nenhuns velhos caquéticos - o clima, dizia, era menos flutuante do que agora. Não precisávamos de boletim meteorológico, porque se verificava um ciclicismo quase invariável e a aprendizagem resultava de acumulações de saber, transmitidas de geração em geração e cá nos íamos safando. Já não é assim agora. Também aqui nada é sagrado.
A questão é que se ia da marvana até ao caminho das Águas e da serra às portelas, da lameira da pinta à saramaga, e tudo andava cultivado. Não havia baldios e os matos eram segados, que os fornos e os lares bem os catavam. Agora há codeços, giestas, estevas, tojo, rosmanos, pinhais cheios de caruma, mato e panojo por todo o lado... Tudo mudou.
Qual o garoto que não tinha uma vintena de costis e não os armava ao taralhão, ao pisco, à felosa, até ao rouxinol, ao melro, ao tordo e ao gaio ao papa-figo e à rola. Apanhava-se de tudo e em abundância e não se notava a falta nos campos. Coelhos, perdizes, pirolises, lebres, texugos, de tudo se matava e caçava,todos os dias, de Outubro a Janeiro e sempre havia para todos.
Proibido era como hoje, mas não se notava a falta... Outros tempos...
Certa noite - entre centenas delas em que o mesmo aconteceu - saí eu, nosso sargento, quinzinho das Águas, Celestino grande, Domingos perdido, ronquinha, riconho, nosso Mário e mais não sei já quem... Íamos aos pardais para a serra a dar vistas para o canchal da nora, ali atrás da Carochinha, tudo em fila, luzes apagadas para poupar pilhas que eram caras, e Perdido, já no meio do calipal (eucaliptal) pisa um graveto seco e ouve-se uma revoada. Riconho ordena imperioso: «'Chiu, pouco tchavascal, aqui há caça grossa». E havia: eram pombos bravos. Centenas deles. E baixos, fáceis de tombar.
A lua já se tinha posto e separámo-nos em grupos o mais silenciosamente que podíamos, sempre às escuras. Ao assobio combinado acendem-se as lanternas aponta-se para os calípios (eucaliptos) e " ena pá, o que pr'aqui vai!" Foi matar até gastar as pilhas. Nunca tinha visto tanto pombo bravo morto em tão pouco tempo. Repartiu-se a carga e «toca a andar num venha por i a venatória.» Subimos até ao alto e sai-se riconho:" ena cum filha da puta, já chegamos a castelo branco!" E logo ronquinha" cale-se, sua besta, num vê qué Penamacor" «mamerda é qué Penamacor... num vês ali a avenida marechal carmona? " acode Perdido: num sejas basbaque, atão num tás a ver ali as luzes do asil?»(Lar D. Bárbara Tavares da Silva) e vou eu: «ó Tonho põe um lenço nos olhos que levo-te pela mão e quando chegares ali às pias do Barata já vês que estamos na serra. No metas é mais chavascal» A custo, lá veio sempre a praguejar e só acreditou quando chegámos à figueiras da velha Garriça e começámos a colher uns figos... Ouve-se mais barulho e, apesar das pilhas fracas ainda caíram mais uns pássaros dos pequenos. Um fartote.
Tudo crime, tudo mau, tudo escusado. Era assim.
XIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII GGGGGGGGGGGGGGGGGGGRANDDDDDDDDDEEE